No caldeirão das músicas contemporâneas atuais, há dois tipos de compositores: os que jogam para a plateia, sacrificando qualquer cuidado com qualidade de invenção desde que lhes sirva para serem conhecidos pelo grande público (Philip Glass); e os que seguem a vanguarda experimental de forma militante, convictos de que criam a música do futuro, não a do presente transformada em mercadoria (Elliott Carter). Há porém um tipo mais raro, quase sempre bloqueado pelas patrulhas de lado a lado. E o dos que criam segundo suas convicções, colhendo elementos ora vanguardistas, ora conservadores, desde que lhes sirvam para melhor expressar sua criatividade. O polonês Krzysztof Penderecki, 83 anos, é um desses últimos. O concerto que regeu na quinta, 14, na Sala São Paulo, é modelar dessa postura.
Combinou duas de suas obras com um dos maiores concertos para violino do século 20, infelizmente pouco tocado: o primeiro de outro polonês de gênio, Karol Szymanowski (1882-1937).
Já se impôs na primeira peça, o Hino a São Daniel, com a participação dos dois coros da Osesp. Aqui, operou uma prestidigitação: a orquestração prevê clarinetes e fagotes, metais, percussão e só os contrabaixos. No papel, esquisita. Na prática, soou como um opulento órgão a acompanhar versos como “Fiel príncipe Daniel, roga a Cristo Deus/ para que ilumine a cidade que é a tua morada”.
A Sinfonia n.º 4, estreada em 1989 e composta para os festejos dos 200 anos da Revolução Francesa, é um monumental e melancólico Adagio. Mieczyslav Tmaszewski em artigo sobre a obra, diz que “ele não escreveu uma cantata celebrando as virtudes de Robespierre nem uma ode em honra à guilhotina”, mas, completo eu, uma reflexão que lamenta soarem ocos, hoje em dia, os três slogans daquela revolução (liberté, égalité, fraternité) que, pensávamos, deu-nos cartas de uma cidadania cada vez mais distante da realidade. Musicalmente, celebra com sinceridade o esplendor da escrita sinfônica tonal a meio caminho entre Bruckner e Mahler.
Do começo ao fim, Penderecki transfigurou a Osesp. Solos impecáveis das cordas, madeiras e metais (destaque para a trompa de Luiz Garcia) na sinfonia, além das mil e uma filigranas de naipes do concerto, tocado de maneira arrebatadora por Isabelle Faust e pela orquestra. Afinal, como disse o compositor, “é uma obra sinfônica com violino solo”. A frase de Szymanowski caberia bem no ideário estético de Penderecki: “Novas e diferentes nuances, mas também um certo retorno ao antigo. No conjunto, um caráter fantástico e surpreendente que jamais se ouviu antes”. Penderecki comanda o mesmo programa neste sábado, 16, às 16h30 na Sala São Paulo. Não perca.
P.S.: Com justiça, o CD dos concertos de Mozart de Isabelle Faust com o Giardino Armonico regido por Giovanni Antonini foi anunciado esta semana como disco do ano da revista inglesa Gramophone.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.