A epidêmica judicialização da República produziu 100 milhões de processos em curso pelos Tribunais brasileiros. São Paulo, cujo Tribunal é o maior do Brasil e também do mundo, recebe 23 mil novas ações/dia. O resultado do demandismo foi um acervo de 25 milhões de processos em trâmite. Além de mais de 85 milhões de processos findos, cujo arquivamento custa à população cerca de R$ 40 milhões anuais.
A boa notícia é que o Tribunal de Justiça de São Paulo pretende que, até final de 2015, toda nova ação ingresse, tramite e se encerre, até o arquivamento, em formato exclusivamente digital. Prossegue, portanto, a epopeia de informatização, iniciada em 2006 com o Juizado Especial Cível da Estação São Bento do Metrô e continuada com a implantação de foros digitais na Freguesia do Ó e na Comarca de São Luís do Paraitinga. Em 2013 foram unificados os múltiplos sistemas em operação e o processo digital atingiu 42% das unidades judiciárias.
A vantagem do processo digital é que ele elimina até 70% do tempo que se esvai no processo físico. Elimina-se uma série de atos: o transporte de autos, as anotações de controle, as juntadas e muito mais. O acesso aos interessados é facilitado, sua disponibilidade é plena para consulta e prática de atos processuais, em tempo integral e de forma concomitante a todos os autorizados. Significativo o aumento na velocidade de tramitação e na produtividade dos juízes.
Além de eliminar deslocamentos, dentro e fora do fórum, o novo sistema permite que o ajuizamento da ação, o protocolo de petições intermediárias e o acompanhamento do trâmite se faça diretamente pela internet, serviço disponibilizado 24 horas/dia, inclusive nos fins de semana e feriados.
O sistema utilizado pelo TJSP é o SAJ e os tribunais que dele se servem apuram ganho de 47% na taxa de congestionamento dos processos, aumento de 87% no índice de atendimento a novos feitos e de 50% na produtividade dos juízes. Importa para o Poder Público e para a sociedade que sustenta o sistema saber que o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) apurou que os efeitos da celeridade processual na economia do País propiciaria aumento de 14% na produção nacional e 10% no nível de investimentos no Brasil, com redução de quase 10% na taxa de desemprego.
A mudança estética não é menos importante. Velhas estantes e mesas abarrotadas de processos dão lugar a ambientes clean, o que incrementa a autoestima do servidor e aumenta a qualidade de vida de todos os integrantes do sistema. Além disso, o ambiente ganhará: centenas de milhões de folhas de papel serão poupadas. Hoje, com o formato físico, cerca de 46 milhões de quilos de papel são utilizados e, no seu processo de produção, consomem 690 mil árvores, o que significa um desmatamento de 400 hectares e utilização de 1,5 milhão de m3 de água. Líquido suficiente para abastecer uma cidade de 27 mil habitantes durante um ano.
O desafio assumido pelo TJSP é eloquente: o cronograma de implantação contempla 50 ciclos, com treinamento e capacitação de 40 mil pessoas, emprego de mais de 280 mil horas de trabalho nas 1.486 unidades judiciárias.
A expansão do processo digital não implica em aumento do consumo de energia, pois o estágio híbrido hoje vigorante já impõe utilização integral do sistema de informática. Nem existe risco de segurança para as informações, eis que em funcionamento mecanismos de backup – cópia de segurança, com vários níveis de redundância e aparelhamento dos datacenters com geradores operados sob gestão direta do Tribunal de Justiça.
O único ponto a merecer ainda maior investimento é a digitalização dos inquéritos policiais. Eles continuam a ser feitos em formato físico. Há interesse comum na solução desse entrave e o TJSP, por dispor de sistema de processo criminal digital para implantação imediata, aceitará o desafio de suprir, inicial e transitoriamente, a deficiência do Governo. Assim é que o Judiciário assumirá, temporariamente, a tarefa da digitalização de inquéritos policiais de que resultem ações penais.
Quem ganhará é a população, pois o trâmite eletrônico das ações penais atenuará a sensação de impunidade e fará com que a Justiça Criminal acompanhe o exitoso progresso da Justiça Cível, onde a informatização produz excelentes resultados.
Com essa digitalização integral até 2016, o TJSP, além de ser pioneiro na informatização total, a primeira para uma Corte de seu porte, fará com que se reduza o déficit do aggiornamento do Judiciário. Até há pouco arredio à imprescindível interação com outros setores da iniciativa pública e privada, impermeável às profundas mutações da sociedade, compenetrou-se de que tem de assumir – com todos os riscos e para todos os efeitos – o compromisso da eficiência.
A informatização tornará a Justiça mais célere, mais efetiva e eficaz e não dispensará o funcionalismo. Ao contrário, este se tornará polivalente, merecendo capacitação que o converta num servidor mais apto a vencer desafios, quais aqueles postos por uma tecnologia de crescente complexidade e capaz de auxiliar o magistrado a melhor decidir. Função mais compatível com a vocação de fazer justiça no mundo que já ingressou, de forma irreversível, nos rumos da eletrônica, da cibernética e das mais instigantes tecnologias de informação e comunicação.
José Renato Nalini é presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo