Mundo das Palavras

PÁTRIA MINHA

Confira a coluna semanal Mundo das Palavras, assinada pelo jornalista e professor doutor Oswaldo Coimbra

            O jornalista e escritor José Castelo Branco é autor da melhor biografia de Vinicius de Moraes, tema de longa pesquisa desenvolvida por ele. Num documentário sobre o poeta, José contou que, no período mais duro da Ditadura Militar instalada no Brasil em 1964, Vinicius estava se apresentando num teatro em Portugal quando alguém o alertou: se voltasse para o Brasil ele seria preso. Naquela fase, Portugal também sofria com o domínio de uma ditadura, sustentada por Antônio Salazar, que, no entanto, tinha simpatizantes na parcela mais conservadora da população de seu país.

            Um grupo destes simpatizantes – todos jovens estudantes de tradicionais universidades portuguesas, identificados pelas capas escuras sobre seus ombros -, se postou diante da porta por onde Vinicius passaria, ao sair do teatro, com a intenção de vaiar o poeta. Os acompanhantes dele, frente àquela ameaça, aconselharam Vinicius a evitar o caminho que o levaria até aquela porta. O poeta, entretanto, não aceitou o conselho. Encarou o grupo de estudantes hostis e, sem dar tempo a eles, começou a recitar um poema intitulado “Pátria minha”, em cuja criação ele tinha se deixado tomar pelo sentimento de angústia com o destino dos brasileiros, naquele período. Os acadêmicos silenciaram para ouvi-lo. E quando Vinicius concluiu a recitação do poema, tiveram uma reação inimaginável Aplaudiram Vinicius e lançaram suas capas no chão para que o poeta andasse sobre elas, dando-lhe uma honraria reservada apenas para grandes figuras públicas que visitam a Universidade de Coimbra.  

            Aqueles jovens se comoveram com a expressão estética de um solitário sentimento de apego. No caso, de apego do poeta à sua comunidade após se tornar um exilado desejoso de não queria sucumbir, numa terra estranha, na angústia criada pelo sufocamento de seu povo.  Em alguns de seus versos, Vinicius tinha dito: “Porque te amo tanto, Pátria minha, …eu semente que nasci do vento. …eu que permaneço em contato com a dor do tempo…Tenho-te no entanto em mim como um gemido de flor; tenho-te como um amor morrido a quem se jurou; tenho-te como uma fé sem dogma”

            Hoje, lembrar desta “fé sem dogma” na  pátria, expressa por Vinicius em circunstâncias tão adversas, parece útil. Pois nós, brasileiros, também não podemos sucumbir no desânimo. Mesmo que a aplicação da justiça nos julgamentos de quem ajudou a conspurcar o Congresso Nacional, corrompendo-o, esteja tão dificultada.  Pois, não é possível que os membros da instância mais alta da justiça do país queiram apenas nos confundir. Eles parecem perdidos em infindáveis firulas processuais. Numa solidariedade de classe entre poderosos com os acusados?

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