Há poucos dias leitores jovens da Folha de São Paulo foram completamente surpreendidos com comentários feitos por Roberto Carlos, numa entrevista ao programa Fantástico da TV Globo. Referindo-se aos comentários, um destes jovens escreveu num dos blogs do jornal: “Se tivesse morrido antes, teria morrido sem saber disto”.
A entrevista fora preparada pela emissora para alimentar a polêmica criada sobre um artigo do Código Civil, relativo ao direito à privacidade. Roberto usa o instrumento jurídico, desde 2006, para impedir a venda da biografia dele, preparada pelo jornalista Paulo César de Araújo. Mas, como possivelmente desrespeite o direito à liberdade de expressão, garantida pela Constituição do Brasil, o Superior Tribunal de Justiça poderá, em breve, cancelar o artigo. O que gerou aquela polêmica.
A surpresa dos jovens, no entanto, não teve relação com conflito de direitos. E sim com algo dito, apenas de passagem, por Roberto na entrevista. Algo cuja importância, infelizmente, poucas pessoas perceberam, embora, o septuagenário cantor tenha, com o comentário, na realidade, quebrado intencionalmente um velho tabu seu. Mudando um comportamento público mantido com firmeza e até ferocidade, por ele, há quase meio século. Pela primeira vez, Roberto mencionou publicamente, o episódio ocorrido na sua infância no qual perdeu parte de sua perna. Na aparência, o cantor queria apenas sustentar que não vetou o livro do jornalista porque, nele, o episódio foi abordado. Mas, quem acompanha como profissional da imprensa, há muito tempo, a trajetória do cantor sabe: nada, absolutamente nada, ocorre na carreira de Roberto Carlos, provocado por ele mesmo, sem um cálculo prévio muito cuidadoso.
Roberto administra com pesada mão de ferro sua carreira artística. E a longevidade artística dele resulta da genialidade com que se conduz nesta administração. Como, aliás, prova o abismo que passou a separar o cantor de seus antigos companheiros de Jovem Guarda. O que não significa que Roberto, como homem – e como brasileiro – não seja também contraditório. A ponto de ter comandado uma revolução comportamental no Brasil, através do rock, e, mais tarde apoiar a censura a um filme de Jean Paul Godard.
Porém, sem levar em conta as preocupações dele com a carreira de cantor, o máximo que as pessoas conseguem ver no triste papel assumido por Roberto, de censor de um jornalista, são seus laivos de um homem conservador, os quais de fato existem. Mas alguém pode negar razão a Roberto por ter temido, ao longo de décadas, o fim de sua carreira de intérprete romântico, amado por multidões femininas, caso sua deficiência física se tornasse publicamente conhecida? Por acaso, a sociedade brasileira já se livrou de seus preconceitos?
Ninguém duvide, o cantor surpreendeu os jovens – ao mencionar, por fim, numa entrevista seu acidente na infância – certamente porque agora seu status social está definitivamente consolidado. Poucas coisas poderiam abalá-lo, hoje, como artista – muito rico, como todos sabem, por sinal.