Mundo das Palavras

A morte é a verdade da política

Quantas vezes a imponderabilidade da morte afetou o rumo da vida política do Brasil? Quando Getúlio Vargas se matou os políticos que exigiam sua renúncia passaram de carrascos do presidente a vítimas do ódio da população. Quando morreu Juscelino Kubitschek, um dos mais amados políticos brasileiros, idolatrado pela população beneficiada pela abertura da estrada Belém-Brasília, os mandatários cascas-grossas de plantão na ditadura militar implantada desde 1964, tiveram de suportar as comoventes manifestações de apreço no enterro dele. Depois de terem criado situações de marginalidade e constrangimento àcarreira de JK. Manifestações semelhantes ocorreram no enterro no Rio Grande do Sul do ex-presidente João Goulart, o único a morrer no exílio, depois de sua deposição pelos mesmos militares. Já no estertor da ditadura militar, a morte de Tancredo Neves, o primeiro civil eleito pelo Congresso para comandar o país, se tornou uma tragédia pela incerteza que trouxe ao esforço de retorno à democracia. 
 
Agora, com a morte de Eduardo Campos, novamente desaparece uma situação que parecia estável, consolidada, a do bipartidarismo PT/PSDB, que poderia tornarprevisível o futuro comando da nação. A candidatura de Marina Silva passou a acumular os vinte por cento de aprovação de que dispunha nas pesquisas pré-eleitorais na campanha presidencial anterior com os oito por cento de Eduardo, de quem era vice, e esta soma foi inflada pelo impacto de morte súbita do político pernambucano, tornando-a azarão com capacidade de ameaçar a recandidatura da presidente Dilma Rousseff, beneficiada por todos os privilégios de quem está no poder.
 
Por que a morte tem esta força tão grande na política de nosso país? Talvez seja simplista explicar isto apenas pelo nosso velho sentimentalismo, suposta herança lusitana. Quem sabe exista nesta força algo maior, mais bonito, relacionado ao sentimento profundo que deveria ligar os políticos às pessoas representadas por ele, num processo de identificação ainda não estudado com maior atenção. O político (o homem que lida com a pólis, a cidade) deve sua carreira a seus eleitores, portanto, é uma criatura deles, teria de sentir o que eles sentem, querer o que querem. Em contrapartida, os eleitores entregam a ele a responsabilidade de tratar de questões essenciais ao destino deles, como a moradia e a saúde de suas famílias, a educação de seus filhos, os empregos de que necessitam. Assim quando morre este político que cria e alimenta tais laços com seus leitores, cada um deles se sente desamparado, parece perder um pedaço de si mesmo.
 
Eduardo Campos não chegou a se tornar realmente um político de dimensão nacional, mas no Estado que governou parece ter criado laços desta natureza com seus eleitores. E isto foi suficiente para espalhar pelo Brasil a consternação quealavancou a candidatura de Marina. 
 
Nesta fase, infelizmente, a maioria dos políticos profissionais se assemelhama atores, teleguiados pelos marqueteiros especialistas em colocar na boca deles palavras com as quais votos serão atraídos. A morte, assim, tem, neste ambiente, o duro peso da verdade indisfarçável. Mas, no que a introdução dela nestas eleições resultará para o Brasil ninguém sabe.  
 

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