Mundo das Palavras

Americanos humilharam seu herói olímpico

O cronista da Folha de São Paulo, Ruy Castro, surpreendeu seus leitores, há alguns dias, com o texto “Abanar o rabo”. Conhecido pela admiração por celebridades dos Estados Unidos, Ruy, na crônica, chamou um ianque famoso de “arrogante, vândalo, fujão, covarde e mentiroso”. 
 
Referia-se ao nadador Ryan Lochte, cuja passagem pelo Rio de Janeiro, durante as Olimpíadas 2016, ficou registrada numa reportagem do jornal espanhol El Pais, assinada por Maria Martin. 
 
Ela conta: na manhã do último dia 14, Ryan em companhia de quatro outros nadadores norte-americanos, brancos como ele, urinou numa rua do elegante bairro Barra da Tijuca, diante de um posto de gasolina. Em seguida, ele e seus colegas arrancaram a placa do posto. Quebraram espelhos, saboneteiras e a porta do seu banheiro.  
 
Só foram contidos por seguranças armados do posto. Mas Ryan não se conformou. Inventou, em seguida, uma falsa história de assalto na qual ele e seus conterrâneos teriam sido vítimas. E provocou um escândalo mundial que constrangeu seus anfitriões. 
 
A deslealdade de Ryan, inaceitável num atleta olímpico, abalou o americanófilo Ruy. Mas, ela é insignificante, se comparada com a que existia dentro da própria delegação ianque, em outra olimpíada. A de Berlim, em 1936. 
 
Desta competição há uma versão propagandística que se prende às vitórias de Jesse Owens, com as quais, como é sabido, o atleta negro desmoralizou a tese nazista sobre a superioridade ariana. Por isto, ela é útil na criação de um ilusório protagonismo dos Estados Unidos no enfrentamento do Nazismo. Mas é uma versão que oculta o papel mais relevante da União Soviética, assim como outros fatos, envolvendo Jesse, relatados na autobiografia dele. 
 
Jesse, embora herói olímpico, não ficou livre das discriminações contra negros, em várias situações, dentro do seu país. Ele nunca recebeu ajuda oficial que facilitasse sua preparação como atleta.  Nas vésperas das competições oficiais, ficava separado dos atletas brancos, nos hotéis. E, consagrado em Berlim, não foi sequer parabenizado pelo presidente Roosevelt. Nem para comparecer à festa de suas vitórias, num prédio de New York, ele foi poupado de ter de usar a entrada de serviço. Nos ônibus, continuou sendo obrigado a se sentar junto com outros negros nos últimos bancos. E, durante anos, só sobreviveu porque apostava corridas com cavalos, cachorros, motos e caminhões, em espetáculos degradantes para um campeão olímpico. 
 
O filme “Raça” mostra parte desta deslealdade com Jesse. Se ela também perturbou Ruy Castro, ninguém sabe, porém.   
 

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