Mundo das Palavras

Bigodeiras e nudez

A jovem, despida, põe a mão esquerda no pescoço, de costas para a cena que se desenrola no quarto onde ela iria fazer amor, após a invasão dele por quatro policiais. Que idade terá? Certamente, não muito mais que dezoito anos – revela seu corpo, cujos contornos são bem visíveis. A jovem mantém os olhos voltados para trás, atenta à conversa que se desenrola entre os policiais e seu parceiro – todos bigodudos, com roupas usadas pelos homens, em São Paulo, naquele início dos anos de 1900.
 
A nudez da moça é apontada por um dos policiais, numa acusação muda. De que crime? Sedução de menor? Adultério? Prostituição? O companheiro dela, ainda vestido e calçado, mas já sem paletó e gravata, à altura do momento de preparação para o ato sexual, está pensativo. Declara algo ao policial mais próximo. Ele anota, observando-o fixamente. A mão direita do parceiro da jovem está um pouco afastada do corpo, aberta, num ato inconsciente de ocultação das nádegas nuas dela – a comprovação do crime de que será acusado. O gesto dele parece divertir o último policial da pequena fila postada na frente dele, com meio sorriso no rosto. Em contraste com o policial calvo, seu companheiro, mais magro, que parece dormir em pé, alheio ao lugar e ao embaraço criado ao casal. 
 
A foto é autoexplicativa. Só, na aparência. Porque, de fato, seus personagens não são quem parecem ser. É possível notar, por exemplo, na faceirice da jovem, uma incompatibilidade com um momento de tensão. Ali está ela, com seus lindos cabelos compridos, uma deusa da sensualidade, mais de noventa anos depois de ser fotografada. Atriz, ela contracena com colegas. Todos contratados – quem poderia imaginar? – para a produção de um cartão postal. Esta descoberta é um mérito da pesquisadora Margareth Rago, cujo livro “Os prazeres da noite, – sobre São Paulo no período de 1890 a 1930 -, traz a foto. Rago, de perspicácia profissional atilada, contudo, não satisfez outras curiosidades provocadas pela foto. Quem eram os produtores de cartões postais que usavam imagens assim? Eles vendiam para quem? Onde?
 
A moralidade que controlava a vida sexual dos paulistanos, no início do século passado era inegavelmente hipócrita. Ela foi o tema de várias postagens que fiz, quatro anos atrás, num blog dedicado à preservação da memória de São Paulo. Surpreendentemente, minhas postagens geraram reações agressivas e desrespeitosas de alguns de membros do blog. Quando ficou claro que tais pessoas contavam com a simpatia dos administradores do blog, decidi encerrar minhas colaborações. Na ocasião, uma professora a quem não conhecia pessoalmente, se rebelou com aquele tipo de censura. E também se desvinculou do blog. Desde então, desfruto da sua companhia inteligente no Facebook. Duplamente grato. Seu nome: Anninha Figueiredo.

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