A guerra de guerrilha contra a Ditadura Militar de 1964 foi sustentada sobretudo por moças e rapazes saídos das universidades. Hoje, ela poderia ser apenas a dramática lembrança de um colossal erro de avaliação política daqueles jovens que contavam com a adesão da população. Supunham que, no Brasil, existissem condições semelhantes às que levou, em Cuba, à deposição do corrupto ditador Fulgêncio Batista. Num movimento desencadeado a partir do desembarque, numa praia deserta, de seis dezenas de guerrilheiros, antes reunidos no México. Os que sobreviveram ao confronto com os soldados de Batista, se instalaram em Sierra Maestra. E, a partir dali, ganharam força crescente com o apoio dos habitantes da ilha. Outra motivação havia para eles na empolgante vitória dos vietnamitas – com seus pobres recursos – contra norte-americanos fortemente equipados, invasores da pátria deles.
Os jovens, claro, sabiam, teriam de matar, se fosse necessário. E poderiam morrer. Destinos só definidos favoravelmente, com a incorporação da população nas suas retaguardas de apoio. Era o que tinha ocorrido em Cuba e no Vietnã. Quando, então disporiam de esconderijos, alimentação, e, tratamento médico, se fossem feridos. Poderiam, assim, aproveitar as poucas, mas valiosas, vantagens de que dispunham sobre as tropas regulares de soldados, por se organizarem em pequenos grupos, com ágeis deslocamentos, na execução de ataques de surpresas. Enquanto os deslocamentos de tropas regulares eram lentos e complicados.
Desgraçadamente, a derrota dos jovens guerrilheiros não permaneceu só como lembrança amarga. Mas, como ferida aberta porque ocorreu com o desrespeito à regra básica de uma guerra. Aquela que premeia – através da aprovação social – a morte de adversários, nos confrontos armados. Contudo, condena veementemente a eliminação covarde, promovida quando os inimigos já estão presos e desarmados.
Foram, portanto, sobretudo, procedimentos criminosos jamais punidos – e não propriamente a derrota militar dos jovens combatentes universitários – que alimentaram até nos nossos dias a dor suscitada por aqueles acontecimentos. Desta dor, se protege, em silêncio, uma antiga colega de Caetano Veloso, na Universidade Federal da Bahia. Maria de Lourdes Rego Melo Vellame, ex-guerrilheira, sobrevivente de torturas. Em 2012, Caetano tomou a iniciativa de romper seu silêncio. Dedicando a ela um artigo inteiro, em “O Globo”. Mencionou-a, em seguida, em entrevistas. Sempre como “a Maria Quitéria da guerrilha urbana”. Após o que os pesquisadores podem se sentir menos inibidos ante o retraimento de Lurdinha, como Caetano a chama, para estabelecer com rigor a importância histórico-política dela. Sem precisar limitarem-se às poucas informações que deixaram, esparsas, em livros dedicados a outros assuntos. Na passagem dos 55 anos do Golpe Militar, vamos buscar, nas próximas semanas, compor uma visão mais articulada de Lurdinha com aproximação destas informações.
(Ilustração: Quitéria, na imagem oficial de heroína da Guerra da Independência, comparável à Joana d´Arc)