A injustiça que atinge, há mais de um século, a escultora paraense Julieta de França é tão gritante que levou a doutora em Sociologia pela USP Ana Simioni a desafiar, publicamente, historiadores, críticos especializados e diretores de museus a darem uma razão para a exclusão dela da História das Artes do Brasil.
Através do jornal O Globo, Semioni revelou que Julieta estudou e expôs na Europa, no início do século XX, graças à obtenção do prêmio máximo que a Escola Nacional de Belas Artes destinava apenas a alunos extraordinários: uma bolsa de estudos, de um ano, na cidade de Paris, centro mais avançado da produção artística da época.
A pesquisadora fez questão de destacar: todos os homens que, como Julieta, obtiveram aquele prêmio, imediatamente, entraram para a História das Artes Brasileiras. Julieta, contudo, conseguiu mais do que eles, com o sucesso de seus estudos. Em Paris, ela produziu arte durante cinco anos. Em 1903, expôs num dos mais prestigiados salões do mundo, o da França, a escultura em gesso “La rêve de l´enfant prodigue”. E, ganhou Menção Honrosa. Seu trabalho foi colocado, pela crítica francesa, no mesmo nível de “O Pensador”, de Rodin, mestre de Julieta e pai da escultura moderna. O flato comprovado em recortes de jornais, guardados por Julieta no álbum “Souvenir de ma carrière artistique”, no qual ela também juntou cartas e fotos das maquetes de suas esculturas.
A obra premiada – ainda com a placa original do Salão da França -, encontra-se, hoje, no acervo morto do Museu Nacional de Belas Artes, junto com outros trabalhos de Julieta. Nunca foi exibida para o público.
Por isto, Semioni perguntou também: “Quantos artistas brasileiros foram para Paris, passaram cinco anos, conseguiram expor no salão e obtiveram menção honrosa?”
Ninguém respondeu aos questionamentos dela, publicados pelo “O Globo”, quatro anos atrás.
Talvez por que, hoje, o apelo a velhos preconceitos já não explique nada. É verdade que, como constatou a própria Semioni, todas as artistas da época de Julieta foram desvalorizadas, pois, então, entendia-se – ela escreveu: “os homens seriam providos de criatividade, capazes de grandes invenções, enquanto que as mulheres, embora mais sensíveis e detalhistas, possuiriam faculdades apenas imitativas, sem a criatividade do gênio”.
Isto torna aceitável que, como também constatou Semioni, no Brasil, esse tipo de pensamento tenha se refletido nos julgamentos dos críticos de arte? Sobretudo, nos de hoje?
É óbvio: trata-se de uma situação inadmissível que, infelizmente, atinge também outras artistas, como, por exemplo, Abigail de Andrade, do Rio de Janeiro. Pintora produtiva, premiada com Medalha de Ouro, no Salão Imperial, de 1884, encontra-se sem nenhuma obra, exposta ou sequer preservada, em algum museu público brasileiro.
(Ilustração: O álbum de Julieta, encadernado)