A despeito da inflação alta, insistentemente flertando com o teto da meta, professores de economia ligados a institutos de pesquisas de preços avaliam que o momento não comporta mudanças no centro da meta, hoje em 4,5%, nem no intervalo de 2 pontos porcentuais para cima ou para baixo. Para eles, há uma distorção muito grande na estrutura de preços relativos no Brasil que não se corrige com ampliação da meta e sim com a correção dos preços administrados, ainda que num primeiro momento a inflação extrapole o teto do intervalo, de 6,5%.
Heron do Carmo, professor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP) e ex-coordenador do Índice de Preços ao Consumidor da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), é voz dissonante, mas só no que diz respeito à ampliação do intervalo da meta. No que tange à queda, desde que se liberem os aumentos dos preços administrados, até agora represados, o próximo governo, segundo ele, poderia reduzir em 0,5 ponto porcentual as bandas inferior e superior da meta, hoje de 2 pontos porcentuais. Essa alteração poderia ocorrer em 2015, se a situação sair vencedora das urnas e promover o ajuste dos administrados já em novembro. Ou em 2016, se o presidente eleito for da oposição e o ajuste dos administrados for feito em janeiro.
O economista Eduardo Giannetti da Fonseca, um dos articuladores do programa de governo do candidato Eduardo Campos (PSB), disse que, caso o ex-governador pernambucano vença a eleição, o primeiro ano de governo será de reajuste de preços. Segundo ele, tecnicamente a inflação já supera a meta porque está artificialmente controlada. As medidas que teriam de ser tomadas de imediato envolveriam uma correção plena e imediata dos preços que ficaram defasados, como o da gasolina. “Se não se fizer isso imediatamente, as expectativas de inflação futura vão ficar altas e isso realimenta a inflação”, afirmou.
Para Luiz Roberto Cunha, professor da Pontifícia Universidade Católica (PUC-RJ) e membro do Conselho Técnico do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o problema não está no intervalo da meta, mas sim na distorção da estrutura dos preços administrados.
Quanto às promessas de candidatos, de que vão acertar a defasagem dos preços caso sejam eleitos, Cunha sugere cautela. “Não se deve dar ouvidos ao que os candidatos falam em campanha. Mas, independente de qualquer viés pró ou contra, é inegável que existe uma distorção muito grande dos preços relativos”, disse. O IPCA, por exemplo, que segundo ele fechará este ano entre 6% e 6,5%, chegará perto do teto da meta pelo quinto ano. “É uma distorção porque este resultado será alcançado com alguma recuperação, mas ainda pequena perto do que precisa ser recuperado em termos de preços administrados”, explicou.
Meta real
Na avaliação do professor de econometria e coordenador do Índice de Preços ao Consumidor Semanal (IPC-S) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Paulo Picchetti, de uma forma ou de outra as pessoas já assumiram que o centro da meta é de 6%. “Nos últimos quatro anos, a inflação girou ao redor disso e o Banco Central não fez uma afirmação enfática contrária”, lamentou. Segundo Picchetti, para os agentes econômicos, a meta hoje é de fato 6%. “E dessa forma, considerando que 6% já é uma inflação alta, ficaria preocupado em colocar a meta em 6,5%, por exemplo”, afirmou. Segundo ele, o intervalo existe apenas para acomodar choques.
E mesmo com o represamento dos preços administrados as expectativas em relação ao IPCA para 2015 são menores que as de 2014. As medianas das projeções do mercado financeiro no Relatório Focus, divulgado segunda-feira, 4, pelo BC, a projeção mediana do mercado para o IPCA este ano ficou em 6,39% e a de 2015, em 6,24%. “Essa ideia de trocar inflação por crescimento não é uma boa coisa. Vejo isso como um sinal de leniência, o que pode levar os agentes econômicos a forçar preços mais perto do teto da meta de inflação”, apontou Picchetti.
Querer elevar o teto da meta, segundo Heron do Carmo, seria “uma coisa inconsequente”. “Seria um contrassenso para o regime de meta de inflação aumentar o teto da meta. Não tem que acomodar nada”, disse o professor da FEA-USP. Política econômica consequente, segundo ele, é aquela em que o resultado aparece. Para isso, diz o economista, é preciso reduzir o déficit e a dívida pública.
Picchetti discorda de Heron quando ele afirma que as bandas de cima e de baixo da meta de inflação poderiam ser reduzidas se o próximo presidente liberar os ajustes dos preços administrados. “Reduzir também não dá porque o BC não está conseguindo cumprir nem o que está aí. O que o BC e o CMN (Conselho Monetário Nacional) vão dizer? Que agora é para valer e que antes não era?”, questionou.
Segundo Cunha, inevitavelmente o próximo governo terá que enfrentar o dilema da distorção dos preços relativos. Se insistir na complacência, a inflação continuará entre 6% e 6,5%, podendo fechar entre 7% e 7,5% se ocorrer algum problema climático. “Aí a coisa se ajustaria pelo lado ruim, que é pela perda de renda das pessoas. Agora, se o governo ajustar logo os preços, a inflação pode chegar aos mesmos 7%, 7,5% no ano que vem, mas com uma trajetória decrescente nos próximos anos”, disse o professor da PUC-RJ.
De qualquer forma, segundo os economistas, a sociedade vai entender se a inflação furar o teto da meta. “É só explicar que a inflação superou o teto por conta de um ajuste que vai levar à queda da inflação e ao crescimento mais à frente. Isso pode ser feito sem que se tenha que mexer na meta”, disse Cunha.