O Ministério da Saúde está acéfalo no momento mais agudo da pandemia de covid-19. O diagnóstico é de governadores e secretários de Estados e municípios que buscaram a pasta nos últimos dias principalmente para tratar da falta de medicamentos de intubação e de oxigênio. Anunciado há uma semana como novo ministro, o médico Marcelo Queiroga ainda não teve sua nomeação oficializada e, portanto, ainda não responde pela pasta. Enquanto isso, o general Eduardo Pazuello segue como ministro no papel, mas cumprindo uma espécie de "aviso prévio" no cargo.
Como revelou o Estadão, a posse de Queiroga ainda está travada porque antes é preciso que ele se desvincule da sociedade de empresas das quais é sócio. O presidente Jair Bolsonaro chegou a afirmar que a nomeação seria feita na última sexta-feira, 19, mas a previsão mais recente no governo é de que a cerimônia aconteça apenas na quinta-feira, 25.
"Temos dois ministros e, na verdade, não temos nenhum", disse o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), em evento nesta segunda-feira, 22. "O que entra não está autorizado a agir como ministro, porque não recebeu a sua nomeação. O outro, que sai, não está com disposição de determinar, orientar e comandar, porque já é um ex-ministro, ainda que ocupando o cargo", declarou.
O governador da Bahia, Rui Costa (PT), foi no mesmo tom."Não se pode fazer exoneração e nomeação no gerúndio, demitindo um ministro e nomeando um novo há uma semana. Quem está tentando salvar vidas neste momento fica se perguntando: com quem eu falo? Quem está decidindo neste momento? O Brasil é um barco à deriva", afirmou Costa em entrevista à Rádio Eldorado.
Já o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), chamou o vácuo de comando de "absurdo". "Temos dois ministros da Saúde, por conseguinte nenhum. Um saiu, mas não saiu. Um entrou, mas não entrou", disse ele no último dia 18, pelas redes sociais.
Secretários de saúde apontam preocupação com o fato de a transição ocorrer num momento crítico da doença, em que hospitais estão superlotados e cidades registram falta de sedativos usados para intubar pacientes de covid-19. O ministério fez requisições de estoques e promete realizar compras internacionais de medicamentos.
Segundo os secretários que acompanham estas discussões, o porta-voz do Ministério da Saúde nesta crise de medicamentos não é Queiroga nem Pazuello. As conversas são feitas principalmente com o secretário-executivo da Saúde, Elcio Franco, que deve deixar a pasta junto de Pazuello. A equipe que Queiroga levará à Saúde ainda é desconhecida pelos gestores do Sistema Único de Saúde (SUS).
O médico também é réu em uma ação penal de 2006 que trata do não recolhimento de contribuições previdenciárias devidas pelo Hospital Prontocor. Queiroga não era sócio do hospital, mas administrador. Em 2017 ele foi absolvido, mas o Ministério Público Federal (MPF) recorreu no processo.
O ministério evita se posicionar ou passar qualquer informação que diga respeito a Queiroga. A pasta afirma que só irá se manifestar quando o cardiologista for nomeado.
<b>Continuidade</b>
Desgastado pelo ritmo lento da vacinação no País, explosão de internações e investigações sobre omissão na pandemia, Pazuello tem dito que o médico segue a sua "cartilha" e nega uma ruptura na pasta. Queiroga vai na mesma linha e fala em "continuidade" do trabalho.
Na semana passada, os dois foram juntos ao Rio para receber vacinas de Oxford/AstraZeneca produzidas pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). "A transição de cargo de ministro é apenas uma continuidade do trabalho. O doutor Marcelo Queiroga reza pela mesma cartilha", disse o general na cerimônia. Pazuello ainda foi a Guarulhos (SP), sem Queiroga, no domingo, 21, para recepcionar as doses compradas via Covax Facility.
Segundo autoridades do governo, Bolsonaro deve abrigar o general em um novo cargo dentro do governo, mas não está definido qual função ele pode assumir.
<b>Centrão</b>
A demora para troca de ministro também incomoda lideranças do Centrão. "Um país que se aproxima de 3 mil mortos/dia não pode se dar ao luxo de esperar um indicado para ministro da Saúde passar dias para se desincompatibilizar da empresa da qual é sócio-administrador. Isso é uma provocação com famílias enlutadas e com gente que luta pela vida em UTIs", escreveu o vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PL-AM), no Twitter, no domingo, 21.
Apesar de ter bom trânsito entre parlamentares, Queiroga foi uma escolha pessoal de Bolsonaro. Como mostrou o Estadão, o futuro ministro teve uma passagem relâmpago pelo Republicanos, um dos principais partidos do chamado Centrão. Ele se desfiliou em janeiro deste ano.
Integrantes do grupo, porém, apoiavam que a médica Ludhmila Hajjar assumisse a pasta. O nome dela tinha respaldo do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e ministros do Supremo Tribunal Federal. Ela recusou o convite por não defender o uso da cloroquina, medicamento sem eficácia comprovada contra covid-19, e não concordar com críticas ao lockdown, bandeiras de Bolsonaro na pandemia.