Internacional

Mulher chora 36 parentes mortos ou desaparecidos em erupção na Guatemala

Lilian Hernández chorou enquanto falava os nomes de tias, tios, primos, uma avó e dois bisnetos. Ao todo, 36 membros de sua família são dados como desaparecidos e provavelmente mortos pela erupção do Vulcão do Fogo, na Guatemala. “Meus primos Ingrid, Yomira, Paola, Jennifer, Michael, Andrea e Silvia, que tinha apenas dois anos de idade.” Sua lista de parentes desaparecidos parece refletir o alcance do desastre, cujo número de vítimas está longe de ser definido.

O que antes era um conjunto de cânions, encostas e fazendas verdejantes agora lembra uma paisagem lunar, coberta por cinzas, rochas e escombros decorrentes das erupções. A avalanche de detritos superaquecidos invadiu a malha de pequenas vilas nos flancos da montanha, devastando famílias inteiras.

Durante a tarde da terça-feira, 5, uma nova coluna de fumaça subia pelo topo da montanha. A Coordenadoria Nacional para Redução de Desastres (Conred) afirmou que material vulcânico estava descendo pelo lado sul do vulcão. Uma ordem de desocupação foi emitida e uma rodovia próxima foi fechada. Equipes de resgate, policiais e jornalistas correram para deixar a área quando uma sirene soou e alto falantes reproduziram o aviso. A nova ordem de desocupação gerou pânico em áreas que não estavam em risco.

Dezenas de pessoas eram vistas caminhando pelas estradas, carregando crianças e pertences ao lado do trânsito congestionado no município de Escuintla, localizado a sul do vulcão. Alguns poucos afortunados, como o aposentado Pantaleon García, conseguiam carregar seus netos na traseira de uma picape, juntamente a um galão de água e um pouco de comida, para buscar abrigo na casa de parentes, em outra cidade. “Você precisa estar preparado, para as crianças”, disse García.

No domingo, quando o vulcão explodiu em uma enorme nuvem de cinzas e rocha derretida, os irmãos de Lilian correram para ajudar a avó, de 70 anos, no terreno da família em San Miguel Los Lotes. “Ela disse que era a vontade de Deus, ela não ia fugir.” A guatemalteca contou que sua avó não conseguia andar mais. Seus irmãos ficaram a salvo, mas a avó não foi vista desde então.

Lilian e seu marido, Franciso Ortiz, sobreviveram porque saíram de Los Lotes há dois meses, para começar uma nova vida em outro terreno. O casal agora está abrigado em uma igreja mórmon na cidade vizinha a Escuintla e vai ao necrotério local para aguardar notícias. Até o momento, apenas um de seus parentes foi identificado – o primo de Lilian, César Gudiel Escalante, de 28 anos. “As pessoas acabaram enterradas em quase 3 metros de lava”, relatou Ortiz. “Não sobrou ninguém lá.” Outras famílias sofrem tragédias similares.

Quando o presidente do país, Jimmy Morales, visitava um abrigo de sobreviventes na segunda-feira, uma mulher lhe implorou para que ajudasse sua família em Los Lotes. “Senhor presidente, minha família está desaparecida. Mande um helicóptero para jogar água sobre eles, porque estão queimando”, disse. “Meus três filhos, um neto e todos os meus irmãos, minha mãe, toda a minha família está lá. Mais de 20 desapareceram.”

Os materiais vulcânicos se movimentaram rapidamente, com temperaturas que chegaram a 700ºC. As cinzas quentes e os gases, que podem causar asfixia rápida, atingiram muitas pessoas desprevenidas. Na terça-feira, ficou claro que o número oficial de mortos certamente seria maior, aumentando o medo de que pessoas presas nas casas estivessem mortas e cobertas pelos detritos. No mesmo dia, o Instituto Nacional de Ciências Forenses informou que o número de vítimas estava em 75, sendo que apenas 23 dos corpos haviam sido identificados. O diretor da Conred, Sergio Cabanas, disse, ainda na noite de terça-feira, que 192 pessoas estavam listadas como desaparecidas.

Segundo Cabanas, ainda não se sabe se os desaparecidos podem estar entre os corpos resgatados. Ele informou que autoridades estão cruzando os dados do censo nacional com fotos aéreas de casas, registros de pessoas em abrigos e os nomes das pessoas desaparecidas.

O agricultor Joel Gonzáles, parado em um bloqueio, reclamava que a polícia não o deixara passar para ver a casa de sua família na vila de San Juan Alotenango, onde seu pai, de 76 anos, estava enterrado em cinzas, junto de quatro outros parentes. “Eles dizem que vão deixá-los enterrados lá, e não vamos saber se realmente são eles”, disse. “Estão tirando a nossa oportunidade de dizer adeus.”

O porta-voz dos bombeiros Julio Sánchez afirmou que 72 horas depois da erupção as chances de encontrar alguém vivo são poucas. “Nós não descartamos a possibilidade de ter alguém vivo, mas a condição em que as casas estão torna isso muito improvável.” Sánchez acrescentou que algumas das cinzas ainda estavam em temperaturas de 400 a 700ºC.

Na cidade devastada de El Rodeo, árvores e casas estão tomadas por fuligem. Equipes de resgate vestiam capacetes, máscaras e óculos, e usavam pás para escavar casas e desenterrar cadáveres. Um dos corpos recuperados estava queimado ao ponto de ser irreconhecível. Em meio à destruição, surgiu um vislumbre de esperança – o resgate de um cão, em uma casa onde quatro pessoas haviam morrido. “Ele se chama Rambo”, disse o bombeiro voluntário Sergio Vázquez, que carregou o animal nos ombros até um local seguro. “Pode ser que este cão não tenha mais uma família.”

Vázquez não sabia explicar como o cachorro havia sobrevivido. O porta-voz do Conred Julio Sánchez afirmou que muitos cães e gatos foram resgatados vivos com queimaduras nas patas, e alguns estavam cegos por conta dos gases vulcânicos. “Os animais têm um tipo diferente de resistência e um comportamento diferente quando se trata de encontrar refúgio”, explicou.

Apenas 23 dos corpos recuperados até agora foram identificados. O calor extremo carbonizou as características físicas e queimou as impressões digitais. As autoridades esperam usar outros meios para reconhecer as vítimas, como testes de DNA. Segundo informações oficiais, ao menos 46 pessoas ficaram feridas em decorrência da erupção. Atualmente, 12 locais abrigam mais de 1,8 mil pessoas. Militares informaram que um avião da Força Aérea americana levou cerca de seis crianças vítimas de queimaduras para tratamento em Galveston, no Texas.

As áreas mais atingidas sofrem com a falta de eletricidade, obrigando equipes de emergência a cessar seus trabalhos ao pôr do sol. No amanhecer da terça-feira, o vulcão continuava em atividade. Segundo o Instituto de Vulcanologia da Guatemala, de oito a dez erupções acontecem a cada hora, mas com intensidade menor do que a das grandes explosões de domingo.

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