Internacional

Onda de libertação de radicais preocupa França

Mais de 450 islamistas radicais, atualmente presos na França, serão libertados até 2019 após cumprimento de suas penas. O número foi confirmado na semana passada pelo Ministério do Interior, que, preocupado com o risco de novos atentados, anunciou a criação de uma célula de inteligência para acompanhar os jovens. Do total, cerca de 40 condenados por associação ao terrorismo serão liberados, além de egressos das linhas de frente do Estado Islâmico no Iraque e na Síria.

Após a onda de ataques de jihadistas que atingiu o país, entre 2015 e 2016, o governo francês antevê um “risco maior” de atividade terrorista “endógena” – ou seja, no próprio território – e se prepara para o desafio de monitorar parte dos radicais libertados ao longo dos próximos anos. Os números fazem parte de um balanço interno produzido pela Seção Antiterrorismo do Ministério Público de Paris.

De acordo com o procurador François Molins, chefe do serviço, 512 franceses e estrangeiros foram condenados nos últimos anos por crimes de terrorismo ou relacionados a ele. Além deles, outros 1,2 mil foram identificados como “radicais” islamistas no interior do sistema prisional, onde não raro exercem o proselitismo religioso a outros detentos.

Destes, cerca de 20 sairão ainda em 2018 e outros 20 receberão a liberdade em 2019. “Cerca de 30% deles terão cumprido suas penas até 2019 e sairão no mesmo ano”, diz a ministra da Justiça, Nicole Belloubet, que confirma o número de 450 islamistas livres nos próximos 18 meses.

Além de monitorá-los, o Centro de Análise do Terrorismo (CAT), do governo francês, traçou o perfil do condenado por terrorismo: são, em geral, homens, com idade média de 24 anos e meio, com pena média de 6 anos e 6 meses de prisão.

Os jovens foram classificados em quatro grandes tendências: os que retornaram das zonas de conflito no Iraque e na Síria; os que foram implicados de alguma forma em células jihadistas no país ou que tentaram partir para as zonas de conflito; os cúmplices, que forneceram apoio logístico ou financeiro aos grupos jihadistas internos, e os que foram incitados a passar ao ato terrorista ou cogitaram por livre vontade.

Para acompanhá-los quando estiverem em liberdade, o governo anunciou a criação da Unidade de Coordenação da Luta Antiterrorista (Uclat), um órgão do Ministério da Defesa que terá como função nada menos do que evitar que os condenados que serão libertados venham a praticar atos jihadistas em solo francês.

Além disso, a unidade de inteligência do serviço penitenciário será ampliada com uma centena de novos agentes para identificar eventuais planos de atentados. Esses grupos têm a missão de advertir as autoridades públicas com 18 meses de antecedência sobre a data de soltura de suspeitos de radicalismo islâmico.

No caso de estrangeiros, será aberto um procedimento de expulsão. “Nós queremos nos organizar para suas saídas (da prisão) e os seguiremos passo a passo”, advertiu a ministra da Justiça.

As autoridades francesas há meses enfrentam o desafio de lidar com o retorno de suspeitos de jihadismo e de militância do Estado Islâmico. Além de homens, o retorno de mulheres europeias que partiram para a Síria e para o Iraque tem se acelerado com o declínio territorial do grupo terrorista no Oriente Médio.

Um desses casos é o de uma jovem de 23 anos, que pediu para adotar o nome fictício de Asma. Sua história tornou-se conhecida do grande público em fevereiro. Ela voltou à França em outubro de 2017, vive em liberdade condicional à espera de julgamento e tenta recuperar a guarda definitiva de seu filho, nascido em Raqqa, na Síria, fruto de uma relação com um jihadista francês.

“Eu costumo dizer que estive com terroristas, mas não sou terrorista. Não tenho como esconder essa realidade de quem me conhece, mas não quero que mais pessoas saibam, pois tenho vergonha do que fiz”, diz a jovem, que pode ser condenada a até 10 anos de prisão por associação ao terrorismo.

Asma tem um emprego e tenta retomar a normalidade de sua vida. Não obedece, ao menos nas aparências, os códigos de mulheres muçulmanas radicais: não usa véu islâmico e anda maquiada. Ainda assim, sabe que, ao menos pelos próximos anos, sua vida será marcada pela suspeição.

Das 69 mulheres francesas que, como Asma, voltaram entre 2016 e o início deste ano, 17 foram encarceradas em Fleury-Merogis, o principal presídio feminino da França. Parte delas é monitorada por radicalismo e proselitismo religioso na prisão e nas ruas.

No entanto, há também o caso de Nora, que aos 15 anos deixou a cidade de Avignon, em 2014, e partiu para a Síria. Seu irmão Foad, um caminhoneiro de origem marroquina, foi para a Síria resgatá-la das mãos do Estado Islâmico, mas ela rejeitou retornar para a França. Foad ficou convencido de que ela tinha sido ameaçada de morte pelo líder do grupo ao qual Nora tinha se juntado.

Para especialistas ouvidos pelo jornal O Estado de S. Paulo sobre a situação dos radicais prestes a deixar a prisão, o risco não pode ser subestimado. Segundo Jean-Charles Brisard, fundador e diretor do Centro de Análise do Terrorismo, a experiência nas zonas de conflito traz a perspectiva de atuação para dentro do país.

“Muitas vezes, indivíduos que partiram para frentes de batalha, onde exerceram a atividade de jihadistas, retornam com uma rede de contatos no Oriente Médio ou nas regiões afetadas. A partir disso, eles podem construir a própria rede de jihadismo”, explica.

De acordo com Farhad Khosrokhavar, diretor de estudos no Centro de Análise e Intervenção Sociológica (Cadis) e autor do livro O Novo Jihadismo no Ocidente, a falta de perspectiva daqueles que vivem nas periferias ou saem das prisões pode levar ao caminho do terrorismo.

“O desespero de viver uma vida de reincidência no crime pode levá-los a querer romper com tudo, lançando-se à causa de Allah”, afirma. “Eles sentem como se não tivessem um futuro, prontos para se vingar da sociedade.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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