Uma viela que começa sob um viaduto dá acesso a Los Piletones, favela conhecida na Argentina por receber apoio e doações financeiras do presidente Mauricio Macri. Desde a época em que era prefeito de Buenos Aires, entre 2007 e 2015, Macri doa parte de seu salário a um restaurante popular da comunidade. Grande parte dos moradores de Los Piletones se diz grata ao presidente, mas nem ali parece que ele conseguirá conquistar uma votação massiva na eleição marcada para 27 de outubro.
Após um processo de ajuste fiscal gradual criticado por parte dos economistas e atingida pela fuga de capital de países emergentes no ano passado, a Argentina amargará seu segundo ano consecutivo de recessão em 2019 – o terceiro do governo Macri (no primeiro ano de Macri na presidência, 2016, o PIB caiu 2,1%).
O resultado econômico e, principalmente, a inflação se tornaram os grandes inimigos na tentativa de se reeleger. Nos últimos 12 meses, os preços no país avançaram 55,8% – patamar não registrado nem no período de sua antecessora, Cristina Kirchner. O aumento da média salarial foi de 42%. “Antes (na época de Cristina), eu vivia com a geladeira cheia e sempre tinha dez pesos (o equivalente a R$ 1 hoje) no bolso. Agora, não tenho nada. Preciso escolher entre comprar carne ou iogurte para as crianças. Nem leite para fazer pudim para os netos tenho”, diz a dona de casa Romina de Greco, de 62 anos, moradora da viela.
Romina e o marido vivem com 5.600 pesos por mês (R$ 560), valor que ele recebe de ajuda do governo. Os dois conseguem trocados consertando bicicletas ou enchendo bolas e pneus para as crianças do bairro. Ainda que admita que a situação piorou nos últimos anos, ele votará em Macri.
“Ele construiu minha casa. Sou muito grata. Foi em 2013, ele estava na prefeitura e deu dinheiro para as paredes e janelas”, afirma. Segundo Romina, antes da ajuda de Macri, ela vivia em uma casa sem banheiro. “Agora tenho chuveiro e água quente.” Questionada se também votará no atual presidente, Anabella, uma das filhas de Romina, responde: “Vou ter, né?”, sem mostrar entusiasmo.
A doação para a família de Romina veio por meio de Margarita Barrientos, que administra o restaurante popular de Los Piletones, além de outros projetos sociais da comunidade, e tem acesso fácil ao presidente. Sempre que faz campanha em bairros mais pobres, Macri visita Los Piletones e Margarita. Nos dois últimos Natais, fez questão de aparecer em fotos ali. A própria Margarita já admitiu que, com a crise, precisou aumentar o número de refeições servidas diariamente de 2,1 mil para 2,5 mil.
Promessas
Macri chegou ao poder no fim de 2015 com promessas ao mercado e à população. Em sua campanha, disse que adotaria políticas econômicas ortodoxas. Retiraria os subsídios em serviços como energia e transporte implementados por Cristina. Afirmou também que, com ele no comando, os investidores estrangeiros chegariam em massa ao país.
Suas políticas fracassaram e, agora, o populismo de esquerda, ao qual havia colocado fim, parece ter espaço. Na maioria das pesquisas de intenção de voto, Macri vinha aparecendo atrás de Cristina. A ex-presidente surpreendeu, há 20 dias, e anunciou sua candidatura a vice, com Alberto Fernández, um político peronista com o qual havia rompido, como cabeça de chapa. A ideia é que Fernández, tido como moderado, atraia votos indecisos.
Vizinha de Romina em Piletones, a gari Nancy Bravo, de 52 anos, é a eleitora que o kirchnerismo pretender atrair. Votante de Macri em 2015, está decepcionada. “Tinha muita fé em Macri. Mas agora parece que a Argentina está em um poço e não consegue voltar. Ele prometeu que tudo ficaria bem, mas o dólar disparou. Queria votar nele, mas a situação está muito difícil”, diz ela, que recentemente abandonou o hábito de comer fora.
Nancy diz que, nos últimos anos, a qualidade de vida em Los Piletones melhorou. Com Macri na Casa Rosada e um de seus afilhados políticos – Horacio Rodríguez Larreta – na prefeitura de Buenos Aires, três parquinhos foram inaugurados e seguem bem conservados. Também foi construído um conjunto habitacional no fim da viela que começa no viaduto e desemboca num lago em que a água, parada, parece não ter oxigênio. Claramente, para os moradores, nada disso é mais importante do que uma inflação controlada.
Sentada ao sol, na calçada de uma rua recém pavimentada, Nancy conta que não quer ajudar a eleger a chapa kirchnerista. Se diz contra o projeto semelhante ao Bolsa Família, criado por Cristina, por considerar que leva as pessoas a não trabalharem. A filha de Nancy, porém, recebe a ajuda para quatro de seus cinco filhos. Ela também não come mais carnes, as substituiu por ensopados.
São argentinos como Nancy que devem decidir o resultado da eleição em outubro. Macri tem cerca de 30% dos eleitores fiéis a ele. Cristina tem mais 30%. Vencerá quem conseguir atrair os indecisos. Macri decidiu ser o candidato “anti-populismo”, afirma o analista político Rosendo Fraga. Tem buscado apoio internacional para seu programa de estabilização da moeda com a intenção de controlar a inflação, seu principal foco. A questão é que a inflação acelerada pesa mais contra Macri do que os escândalos de corrupção contra o kirchnerismo.
“A economia é o determinante, sobretudo a inflação. Hoje isso está prejudicando Macri”, diz Daniel Kerner, da consultoria de risco político Eurasia. Para Kerner, se as eleições fossem hoje, a chapa kirchnerista ganharia. Uma mudança nesse cenário depende do controle da inflação até outubro. “Alberto Fernández é mais moderado e menos populista que Cristina. Mas, durante a campanha, adotará um discurso populista”, diz Kerner.
Em um bairro tão ligado ao macrismo, nem todos se sentem à vontade para declarar voto no kirchnerismo. Uma dona de casa diz que, na comunidade, apenas os que conseguem vaga para comer no restaurante popular de Margarita votam em Macri. Sem aposentadoria nem trabalho, aos 72 anos, ela vive da ajuda de vizinhos, almoça em outro restaurante popular da favela e diz que repetirá o voto de 2015. Apoiará o kirchnerismo.
Peronismo e penúria
La Matanza é o segundo maior município da Argentina, com dois milhões de habitantes e cerca de 4% do eleitorado do país, o equivalente a uma província de médio porte, como Tucumán. Governada pelo peronismo – corrente associada ao populismo na Argentina – desde o retorno da democracia ao país, em 1983, a cidade ficou famosa como a “capital nacional do peronismo”.
La Matanza fica na região metropolitana de Buenos Aires, onde estão cidades mais pobres e com índices de violência mais elevados que a capital. Ali, trabalha o açougueiro Ángel Daviche, de 44 anos, que vem observando, mês após mês, suas vendas diminuírem.
O açougue em que Daviche trabalha vende hoje apenas as carnes mais baratas, de frango e porco. O estabelecimento já trabalhou com carne bovina, ainda que nunca tenha sido seu forte. Há oito meses, porém, não há mais sinais de carne de vaca no local.
A situação do açougue reflete a realidade argentina. Apesar de serem apaixonados por churrascos, os argentinos tiveram de reduzir o consumo nos últimos meses por causa dos preços. Segundo dados da Câmara da Indústria e Comércio de Carnes e Derivados da Argentina (Ciccra), a média anual de consumo de carne bovina registrada entre janeiro e maio deste ano ficou em 50,5 quilos por habitante. É o menor número desde 2011, e representa uma queda de 12% na comparação com o mesmo período do ano passado.
Na terça-feira, 4, a algumas quadra do açougue da Daviche, Roberto Basilota, de 61 anos, estacionou seu carrinho de pipoca e doces. Oito meses atrás, Basilota era um pequeno empresário dono de três lojas de colchões. Empregava 11 funcionários, todos recém-demitidos.
“Há uma grande decepção com a economia. Fazia algum tempo que eu já vendia pouco. Colchão é uma coisa cara”, diz ele. Suas economias, cerca de 300 mil pesos (R$ 30 mil), foram todas para pagar os direitos trabalhistas dos empregados. Agora, vive com a aposentadoria de 11 mil pesos (R$ 1,1 mil) da mulher e consegue mais uns 700 pesos por dia com as vendas do seu carrinho. A filha de Basilota, que ajudava em uma das lojas, está desempregada e o genro, trabalhando como motorista de Uber.
Apesar da deterioração do seu padrão de vida no último ano, Basilota diz que votará em Macri. Para ele, os escândalos de corrupção do período Kirchner pesam mais que a crise econômica – pessoas como Basilota são a esperança de Macri. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.