Os sucessivos cortes na taxa Selic são desafiadores para todos os gestores de fundos de investimento. Afinal, eles fazem malabarismo para entregar o retorno líquido esperado pelo investidor. No caso das gestoras independentes, que não têm grifes de peso a seu favor, é ainda mais importante obter resultados que conquistem e mantenham os clientes satisfeitos.
Por isso, algumas dessas casas vêm reduzindo as taxas de administração de seus produtos. Ao aliviar a mordida sobre os ganhos já enfraquecidos pela Selic mais magra, melhora o retorno para o investidor. "Essa discussão (sobre redução das taxas) começou no fim de 2019. Ali, já se vislumbrava que a Selic chegaria a 3% ao longo deste ano", diz Carlos Lima, sócio e gestor dos fundos líquidos da Quasar.
"A pandemia precipitou as coisas, ninguém imaginava a Selic a 2,25% no fim de 2020, mas já havia de qualquer forma um cenário de juros baixos por um período prolongado de tempo. Todos começaram a se adequar a esse cenário", diz Lima.
Em fevereiro, a Quasar reduziu as taxas de administração de seus dois fundos de renda fixa, ambos com alocação em crédito privado de longo prazo. No Quasar Advantage, com liquidez em D+1 (ou seja, é possível sacar o dinheiro um dia após a solicitação), a taxa foi reduzida de 0,50% para 0,40%. Já no Quasar Advantage Plus, com resgates após 30 dias, a taxa caiu de 0,80% para 0,60%.
"Quisemos buscar uma relação risco-retorno que fizesse sentido tanto para o gestor como para o investidor", explica Lima. "Uma taxa de 0,50% tem impacto maior no retorno líquido do investidor com a Selic a 3% do que com a Selic a 7%."
A Sparta também oferece fundos de renda fixa com crédito privado. O presidente da gestora, Ulisses Nehmi, diz que a taxa de administração é reavaliada periodicamente. "Olhamos a estrutura de custos dos gestores, o cenário macroeconômico, o retorno bruto dos ativos e quanto o investidor precisa de resultado líquido. O fundo precisa atender o investidor e ser também viável para a gestora", diz.
Em março, a política de taxas dos fundos Sparta Top e Sparta Max foi reformulada. A parcela dos fundos efetivamente investida em crédito privado continuou tendo tarifa cheia, de 0,70% no Sparta Top e 0,80% no Sparta Max. Já para o montante de caixa, que é alocado em papéis do Tesouro Direto, as taxas de administração caíram para 0,30% (Top) e 0,35% (Max).
"A parcela alocada é onde estou agregando valor, então vou cobrar a taxa integral. Já na parcela de caixa eu cobro pouco, o equivalente a um fundo passivo. No varejo há fundos com tíquetes menores que cobram taxas enormes só para investir em título público", diz Nehmi.
<b>Volatilidade</b>
O carro-chefe da Garin Investimentos é o fundo multimercado Garin Special, que opera juros, câmbio e ações com participação de derivativos. A taxa de administração sempre seguiu a praxe do mercado: 2%, complementada por taxa de performance de 20% sobre o que superasse o CDI. Em março, a gestora resolveu reduzir a taxa de administração de 2% para 1,5%.
"Achamos que fazia sentido cobrar um pouco menos, já que esse fundo tem risco e volatilidade moderados. Um ganho de 0,5% é relevante para o cotista", diz o gestor-chefe Ivan Kraiser.
Ele explica que a taxa de administração é importante para manter as atividades da equipe, mas boa parte dos ganhos da gestora vem da taxa de performance, que foi mantida em 20%, dentro do que se cobra em outras casas.
O nível de volatilidade do fundo é, na opinião dele, decisivo para que a taxa de administração seja mantida ou reduzida. Afinal, em tese o risco maior abre espaço para retornos mais generoso e taxas mais caras.
"Os fundos multimercado com mais volatilidade performam muito acima do CDI, com estratégias específicas. Se ele entrega 30% no ano, tanto faz a taxa ser meio ponto maior ou menor", acredita Kraiser.
À primeira vista, quem coloca na ponta do lápis o impacto das reduções feitas pelas gestoras no retorno líquido dos fundos pode ficar desapontado. Afinal, comparando os montantes líquidos no bolso do investidor sob a taxa nova e a antiga, a diferença não é tão grande assim.
Entretanto, para a coordenadora do Centro de Estudos em Finanças da FGV-EAESP, Claudia Yoshinaga, a importância da redução das taxas de administração não deve ser desprezada.
"Não podemos esquecer que esses tipos de fundos de investimentos têm rentabilidade muito incerta. O gestor de crédito privado pode, sim, fazer boas compras. Mas o retorno que o investidor vai ter não é garantido, os resultados expressos nas simulações podem não ser alcançados", pondera. "A única coisa garantida é o quanto o gestor vai cobrar de taxa. Por isso, o cliente tem, sim, de batalhar por taxas de administração menores", afirma Claudia.
<b>Novas reduções</b>
Especialistas ouvidos pela reportagem observaram que boa parte dos movimentos de redução nas taxas de administração já ocorreu, principalmente a partir do segundo semestre de 2019. Agora, salvo ajustes pontuais, não há muito espaço para novos cortes. Por isso, cabe ao investidor avaliar se o retorno efetivamente entregue pelo fundo justifica a taxa de administração cobrada.
No caso dos fundos multimercado convencionais, que operam bolsa, dólar e juros, Sylvio Fleury, diretor de relações com o mercado da Ativa Investimentos, entende que a habitual "política do 2×20" (2% de administração e 20% de performance sobre o que ultrapassar o benchmark) só se justifica em fundos que entreguem ganhos recorrentes.
"Em um multimercado que não sai do trivial, não vale a pena pagar essa taxa. A 2%, o gestor tem de saber correr risco. Se ele comprar só LFT (título público conhecido como Tesouro Selic), o fundo vai render 33% do CDI, 1% ao ano. Ele tem de fazer por onde, justificar o que está sendo cobrado do cliente."
Para o analista de fundos da Guide Investimentos, David Sousa Rocha, ainda que a redução das taxas de administração seja necessária para ajudar os fundos a entregar o objetivo de retorno proposto, os gestores já chegaram ao limite. "Uma hora a Selic voltará a subir. Quando isso acontecer, vai ser duro para o gestor aumentar a taxa de administração, um gesto mercadologicamente difícil. Então, ele pensa a longo prazo. Não pode reduzir a taxa a quase zero, senão depois fica muito complicado voltar a aumentar", diz. As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>