De tanto observar os rios, foi lá e fez um. É mais ou menos este o resumo da história do ex-corretor de seguros Adriano Sampaio, de 45 anos, ativista ambiental criador do projeto Existe Água em SP. Na verdade, meio sem querer, ele desenvolveu o que oficialmente pode ser chamado de biovaleta – um sistema ecológico e sustentável de reaproveitamento de água da chuva.
Sampaio mora no bairro de Vila Clarice, noroeste da cidade, a poucos metros da Rodovia dos Bandeirantes, perto do Pico do Jaraguá. Começou a notar que a valeta de concreto que margeia a pista – e serve para escoar a água da chuva – andava sempre com suas poças. Pouco declive, região com sombra de árvores, zero permeabilidade… “Aí, em minha cabeça, ficava a lembrança de rios que, quando enchem, ocupam uma área de várzea. Depois, na estiagem, voltam ao leito mas deixam alguns lagos perenes”, comenta.
Em janeiro, pegou facão, enxada e principiou o trabalho. Deu uma limpada no mato, tirou o lodo que estava acumulado no fundo da valeta, fez duas barragens com argila e algumas pedras – tiradas do próprio entorno -, criou um corregozinho de dez metros.
Choveu.
Encheu.
Trinta centímetros de profundidade.
Então ele se embrenhou por rios da região, peneira na mão, caçou uns guaruzinhos – o lebiste selvagem. Conseguiu também cascudos e carás. “E um dia fui ao Mercado da Lapa e comprei seis pequenas carpas. Gastei R$ 20. Foi o único investimento financeiro do projeto”, conta.
A valeta ganhou vida. Os guarus se reproduzem rapidamente. Aos poucos, girinos têm surgido. Plantas aquáticas, também. “Outro dia um passarinho desses pescadores estava aqui de olho. Daqui a pouco vai ter bicho sondando por perto, atrás dos peixes”, diz Sampaio. Borboletas já rodeiam o local, antes quase inóspito.
Então o ativista descobriu – ah, a internet! – que o que estava fazendo tem nome e conceito: biovaletas. Na realidade, é um jeito de lidar com as águas da chuva de modo sustentável. “Trata-se de uma técnica bem contemporânea no exterior”, afirma o arquiteto, urbanista e paisagista Henrique de Carvalho, do Ateliê Tanta – um entusiasta da ideia. “Desde os anos 1960 e 1970, é um formato bastante estudado. Nos Estados Unidos, por exemplo, a cidade de Portland, em Oregon, incentiva o modelo largamente.”
Ano sim, ano não, a prefeitura do município americano publica um guia intitulado Manual de Manejo da Água da Chuva. A última edição, de 2016, saiu com 502 páginas.
Nelas, as biovaletas são apresentadas como uma alternativa recomendada para lidar com a pluviosidade. Um “canal vegetado” não apenas para coletar a água da chuva, mas também com a função de “diminuir o escoamento superficial, sedimentar, melhorar a infiltração e reduzir a poluição”. Sim, as tais barreiras de argila “inventadas” por Sampaio têm essas funções: acabam livrando a água de impurezas.
Na versão paulistana, o ativista acredita que está resolvendo o problema dos mosquitos – afinal, as larvas dos insetos são um banquete para os peixinhos. “Já notei que não aparecem mais tantos Aedes quanto antes”, ressalta.
Reconhecimento
Biovaletas são instrumento reconhecido pela literatura especializada. A técnica aparece no livro Manual de Orientação Para a Proteção da Qualidade das Águas Pluviais, da Associação das Agências de Manejo de Água da Chuva da Área da Baía de São Francisco (BASMAA, na sigla em inglês).
Em Desenvolvimento de Baixo Impacto, obra publicada pela Faculdade de Arquitetura da Universidade de Arkansas, no Estado americano homônimo, as biovaletas são destacadas como componentes úteis às áreas urbanas.
Sampaio diz que pretende procurar a CCR AutoBan, concessionária que administra a Rodovia dos Bandeirantes, com o projeto debaixo dos braços. Agora já com três trechos de dez metros cada em pleno funcionamento, sonha com um córrego que avance por quilômetros. “Estarei à disposição se quiserem que eu ensine a fazer”, adianta ele, enquanto admira a própria criação. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.