O empreiteiro Enéias Gonçalves, de 42 anos, foi flagrado em maio acima da velocidade permitida indo atrás de outro carro na Avenida Politécnica, na zona oeste de São Paulo. Resultado: teve a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) suspensa pela primeira vez, em mais de 20 anos de volante. Casos de carteiras de motorista perdidas têm ficado cada vez mais comuns: em três anos, a média mensal de CNHs suspensas no Estado triplicou. Até maio de 2017, foram 53.670 documentos tomados por mês – alta de 195% ante o ano de 2014, quando a média mensal era de 18.175.
Na capital, o aumento é ainda maior. Em 2014, foram 6.972 suspensões por mês. Neste ano, a média foi para 23.462, crescimento de 236,5%, segundo o Departamento Estadual de Trânsito (Detran) paulista. “Fui fechado por uma motorista e buzinei. Ela bateu no meu carro e fugiu. Fui atrás para pegar a placa do carro e passei no radar acima da velocidade”, justifica o empreiteiro. Como a infração foi considerada gravíssima, ele teve a CNH suspensa automaticamente Gonçalves tenta agora reverter a medida.
Há duas formas de o motorista perder a carteira: ao atingir 20 pontos ou mais no documento ou ao cometer algum tipo de infração que suspende automaticamente o direito de dirigir, como conduzir o veículo sob embriagado. Desde novembro, houve mudanças na legislação que agravaram algumas infrações, como usar o celular ao volante, que passou do grau médio, para gravíssimo.
Um dos motivos que impulsionou a alta, segundo especialistas e o próprio Detran, é a automatização das suspensões. Desde 2015, o órgão implementa o Sistema Integrado de Multas (SIM), que detecta automaticamente os condutores que atingiram ou ultrapassaram os 20 pontos em um período de um ano ou que cometeram infração gravíssima que, por si só, resulte na penalidade. A fiscalização passou a ser 100% eletrônica só a partir daquele ano.
“Os motivos mais comuns são o uso de telefone celular, multa de rodízio e excesso de velocidade”, afirma o diretor-presidente do Detran em São Paulo, Maxwell Vieira. “94% dos acidentes fatais são decorrentes de falhas humanas. Poderíamos evitar todos esses acidentes com mudança de comportamento das pessoas, como usar o cinto de segurança, não ingerir bebida alcoólica antes de dirigir nem usar celular enquanto estiver dirigindo.”
O Detran também afirmou que, apesar da alta contínua, o ritmo de crescimento vem desacelerando ano a ano.
Para o presidente da Comissão de Trânsito da seção paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Mauricio Januzzi, mesmo com o aumento das suspensões e o sistema automatizado, a fiscalização ainda é falha. “Muitos continuam dirigindo, mesmo com a CNH suspensa, porque o Detran não pode ir à casa da pessoa e tirar o documento de lá. Muitos continuam dirigindo até mesmo depois de o documento ser cassado.” No caso da capital, ele também atribui o fenômeno ao aumento do número de radares pela cidade.
Procurada pela reportagem, a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) paulistana não comentou os dados nem as críticas de especialistas. O órgão afirmou acreditar que medidas da “atual gestão com o objetivo de divulgar e melhorar a sinalização na cidade tenham contribuído para a queda das autuações”. No primeiro semestre deste ano, o total de multas na cidade caiu 12,48%, ante o mesmo período de 2016.
Reincidente
Já para o analista financeiro André Campos, de 31 anos, o problema não é novidade. “É a terceira vez que perco a carta.” Ele ficou sem a CNH por um mês e meio após atingir 20 pontos. A principal infração foi transitar acima da velocidade permitida. “Já tomei multa de rodízio e por parar em local permitido, mas em horário proibido. Minha carteira foi suspensa por velocidade, principalmente nas vias de 50 km por hora.”
Ele promete, a partir de agora, ser mais cauteloso. “Até sabia da mudança de velocidade, mas acabei não colocando em prática por causa da correria do dia a dia. Vai ser diferente porque custa caro. Essas multas de velocidade foram difíceis.”.
O engenheiro automotivo Júlio Santos, de 29 anos, recebeu a notificação de que sua carteira seria suspensa e correu ao Detran na semana passada para apresentar a defesa. Ele conta que vendeu uma motocicleta ao irmão, mas ele não fez a transferência para seu nome. “Fiz o bloqueio, mas teve abordagem e o veículo foi apreendido. As infrações foram não transferir o veículo em um prazo de 30 dias, veículo em mau estado de conservação e condutor sem CNH. Mas o aviso de suspensão veio para mim, porque estava no meu nome.”
Ele aguarda o primeiro julgamento do Detran para saber se vai recuperar a CNH. “Virou uma indústria da suspensão da carteira com essa recessão”, critica. “O número de pessoas que vêm se defender é grande e todos têm de ficar enfrentando essa burocracia.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.