O mãos de tesoura que simboliza o ajuste tucano em SP

Na porta do gabinete do secretário Mauro Ricardo no Palácio dos Bandeirantes, há uma armadura medieval vinda de uma das salas da ala militar do prédio. Segundo assessores, o adereço ficou ali por causa da espada: seria um símbolo dos cortes que iria fazer no governo. A interlocutores, ele costuma dizer que "fazer cortes é duro para o governante", pois a falta de recursos infla os opositores, mas que o processo é necessário para evitar crises fiscais observadas em outros Estados.

Responsável pela pasta de Projetos, Orçamento e Gestão, Mauro Ricardo passou as últimas semanas em reuniões para acertar os detalhes na cobrança do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviço (ICMS). Ele é o principal responsável pelas medidas do ajuste fiscal, o maior pacote legislativo produzido pela gestão de João Doria (PSDB) até o momento, aprovado em outubro. A iminência do aumento na cobrança motivou protestos contra a medida e ações na Justiça que questionam a legalidade do pacote.

Conhecido pela defesa ferrenha da austeridade na gestão das contas públicas, o secretário, de 58 anos, já desempenhou a mesma função de norte a sul do País nos últimos 25 anos. Fórmulas semelhantes foram aplicadas em cargos pelos quais passou no Amazonas, na Bahia, no Paraná e na Prefeitura de São Paulo.

Funcionário de carreira na Receita Federal, Ricardo chegou ao seu primeiro cargo político em 1996 pelas mãos de José Serra, então ministro do Planejamento. Foi designado para a chefia da Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa), onde permaneceu por cerca de três anos. Enquanto implementava uma reestruturação radical da autarquia, o superintendente sofreu oposição do então governador Amazonino Mendes, que chegou a pedir sua demissão.

Ricardo foi mantido no cargo por Fernando Henrique Cardoso, contrariando o governador, até assumir a presidência da Fundação Nacional da Saúde (Funasa), também por indicação de Serra. A maior parte da trajetória de Ricardo desde então acompanhou gestões do PSDB. Em 2002, foi presidente da Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa) no governo Aécio Neves. Com Serra, secretário municipal de Finanças na capital paulista e secretário estadual de Fazenda, entre 2005 e 2010.

"Costumo dizer que o Mauro Ricardo é o mais competente funcionário público que conheci", disse Serra. "Ele é um possibilista. Por mais complexa e difícil que seja a situação financeira, sempre procura e encontra caminhos."

<b>Reações</b>

Em 2015, Ricardo assumiu o cargo de secretário da Fazenda do Paraná, na gestão Beto Richa (PSDB), com a missão de fazer ajustes drásticos nas contas públicas. Propôs um corte de 24,5% no orçamento do Estado, o aumento na cobrança do ICMS e do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) e a reestruturação do instituto estadual de previdência. Quando a medida seria votada, a Assembleia foi cercada por servidores e deputados tiveram de ser escoltados para chegar ao prédio. O episódio é conhecido como "Batalha do Centro Cívico".

Em São Paulo, a oposição faz críticas às soluções de Ricardo desde a época de seu primeiro cargo como secretário municipal. "O debate que ele propunha era dizer que ia arrecadar mais, sem fazer aumento de imposto, o que é impossível", afirmou o deputado estadual Paulo Fiorilo (PT), que foi vereador durante a gestão Serra na Prefeitura. Segundo o petista, a crítica se aplica ao ajuste atual. "O secretário fez uma leitura equivocada do cenário e vamos ver que o corte não deveria ter sido tão grande." Procurado, Ricardo não quis se manifestar.

Na última passagem de Mauro Ricardo pela Prefeitura, na gestão Bruno Covas, o aperto fiscal provocou queixas de subprefeitos que reverberaram na Câmara Municipal. Ali, nos bastidores, o arrocho foi alvo de críticas veladas por parlamentares da situação e declaradas da situação. O resultado do aperto foi uma reserva de caixa de R$ 12 bilhões em ano eleitoral, o que permitiu a Covas reformar calçadas e recapear ruas pela cidade.

<b>Aperto fiscal</b>

A constituição do orçamento do Estado é atribuição da Fazenda, pasta chefiada pelo ex-ministro e ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles. O dia a dia da execução do orçamento era um trabalho que vinha sendo feito até o começo da crise por uma subsecretaria da Secretaria de Governo, do vice-governador Rodrigo Garcia.

Foi de Garcia a ideia de trazer Ricardo novamente para o governo paulista, diante da situação de aperto imposta pela pandemia. Como o diagnóstico foi o de que o momento era de cortes, Ricardo foi o primeiro nome a surgir, com apoio imediato de Doria. O economista trouxe sua própria equipe e passou a traçar as propostas que resultaram no pacote fiscal.

Deputados estaduais, da base aliada e da oposição, relatam que o ajuste deixou outros secretários do governo contrariados. Reclamaram e pediram revisões para diminuir o impacto. No Legislativo, a insatisfação aumentou após dados do governo indicarem um cenário econômico melhor do que aquele traçado pela equipe econômica de Doria em agosto e setembro do ano passado, quando o ajuste fiscal foi entregue à Assembleia.

O anúncio de Doria de que iria manter os benefícios fiscais de alguns produtos ocorreu um dia antes das manifestações marcadas contra o imposto. Horas antes da decisão do governador, Mauro Ricardo ainda dava declarações públicas de que o aumento da cobrança era necessário. "Ajuste fiscal sempre causa desgaste político." As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>

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