A campanha perfeita do Santos no início do Campeonato Paulista pode ser vista como um reflexo da adaptação de Jorge Sampaoli à própria cidade. Em pouco mais de um mês, o treinador se tornou figura comum no canal 3, onde joga futevôlei ou beach tennis, e já pensa em trocar o apartamento no hotel Parque Balneário, no Gonzaga, por uma casa alugada em um condomínio de luxo. Morar em São Paulo? Nem pensar.
A imagem simbólica dessa lua de mel está mesmo na praia. Depois de cumprir um horário de trabalho rigoroso no CT do Santos, que começa às 7h e vai até mais ou menos 17h, o argentino vai curtir o litoral santista. “Ele está fascinado pela praia”, diz um amigo do treinador.
Durante uma caminhada no final de tarde, o técnico de 58 anos parou para assistir a uma partida de futevôlei, gostou e pediu para jogar. Simples assim. O próprio clube divulgou um vídeo que virou mania nas redes sociais. Habilidoso e serelepe, o argentino mostrou conhecer do riscado. Os toques de peito e até de ombro começaram lá atrás, bem lá atrás mesmo, quando praticava o esporte em um clube de Casilda, cidade onde nasceu e que está a 50 quilômetros de Rosario.
Hoje, Sampaoli já está no estágio dois de esportes praianos e começou a fazer aulas de beach tennis, modalidade que mistura vôlei de praia, badminton e tênis. “Ele foi muito bem. Para uma primeira aula, mostrou uma noção muito boa. Vir de outros esportes facilita bastante”, avalia o instrutor Alan de Oliveira.
Sampaoli apresenta um estilo que não é muito comum entre os técnicos brasileiros. Ele possui várias tatuagens. E o mais curioso é o que elas retratam: o rock argentino de raiz e o futebol. Ele gosta tanto do verso “não escuto e sigo porque muito do que é proibido me faz feliz”, da banda Los Callejeros, que fez questão de tatuá-lo no braço esquerdo. No antebraço direito estão as frases: “Educar é combater. O silêncio não é meu idioma”.
Os torcedores santistas estão surpresos com o lado humilde e cordial do treinador. Da mesma forma que pediu para jogar futevôlei, ele não nega um autógrafo. Antes do jogo com o São Bento, atendeu a um pedido de selfie de um soldado da PM. O treinador baixinho e careca sempre cumprimenta as crianças na entrada do time no estádio.
Até os jogadores têm uma história boa para contar sobre o treinador. Depois de criticar a falta de habilidade com os pés do goleiro Vanderlei, ele pediu desculpas no vestiário. Isso foi decisivo para ganhar o grupo. A figura do treinador ainda causa certo receio: dois jogadores não quiseram falar sobre ele para o Estado. Ele diz “bom dia” para os funcionários do clube, mas fica sempre “na dele”, como descreve um deles. Não é do tipo que se esparrama nas resenhas.
A proximidade com o técnico que dirigiu Lionel Messi na última Copa do Mundo e fez do Chile campeão da Copa América depois de uma história inteira sem troféus na estante e a campanha perfeita do Santos – quatro vitórias em quatro jogos – resgataram um pouco do orgulho santista. O time não tinha técnico (Cuca saiu para cuidar de problemas cardíacos) e o craque do time, Gabigol, foi para o Flamengo.
Esse cenário de sonhos, no entanto, é volátil. É uma foto do momento. Apesar da boa fase, o treinador continua pedindo reforços. Está incomodado. Não é de estranhar que surja novo atrito com o presidente Peres, que ainda não trouxe o lateral, o ponta e o atacante que ele vem pedindo.
Não dá para esquecer também que a participação da Argentina de Sampaoli na Copa da Rússia foi bastante irregular. O time se classificou em segundo em um grupo que tinha Croácia, Nigéria e Islândia. Os argentinos – torcedores, jogadores e imprensa – não querem vê-lo por lá tão cedo.
Sampaoli não passa todo o tempo livre na praia. Quando está sozinho no hotel – sua noiva está no Chile -, ele mergulha nos seriados. Agora, ele está percorrendo os oito episódios de Trotski, série crítica sobre um dos líderes da Revolução Russa de 1917. Quando liga o som – ele prefere os CDs e até os discos de vinil aos celulares -, um verso se repete: “Não se vive celebrando as vitórias e sim superando derrotas”.