Dezembro de 2019. A CCXP regurgita de gente. Milhares de pessoas comprimem-se para tentar ver Gal Gadot e a diretora Patty Jenkins na maior sala montada no complexo da São Paulo Expo. Há um ano, quem poderia imaginar que um certo vírus, surgido na China, iria se alastrar pelo mundo e fazer de 2020 a experiência infernal que ainda está sendo? Depois de toda a loucura da CCXP, foi num hotel encravado na natureza, no Morumbi, que o <b>Estadão</b> encontrou-se com a estrela e a diretora do filme fenômeno de 2017, Mulher-Maravilha. Existe gente que minimiza o impacto da cultura de massas, dos comics, mas Diana/Wonder Woman surgiu com o timing perfeito, no bojo do movimento #MeToo, com que as mulheres questionaram/desmontaram o machismo na indústria. Mas 2018 também viu a afirmação de um certo Pantera Negra. Quem poderia imaginar que, no fim de 2020, Chadwick Boseman já teria partido? Foi-se, mas o Black Lives Matter varreu o planeta como Wonder Woman havia feito antes.
Ao Estadão, Gal Gadot antecipou, na ocasião, o que era possível antecipar de Mulher-Maravilha 1984, que estreia nesta quinta, 17, nos cinemas brasileiros. E a diretora Patty Jenkins – "Tive a visão do que deveria ser esse filme enquanto estava fazendo o primeiro. Ninguém poderia prever que o filme se transformaria num fenômeno, mas havia boas chances de que fizesse sucesso e a gente tivesse uma sequência. No primeiro filme, Diana salva o mundo na 1.ª Guerra Mundial, mas perde Steve, o amor de sua vida. Na maior parte do tempo, era um filme cinzento. A guerra e seu cortejo de destruição. A ideia me veio como num raio. O 2 teria de ser muito colorido – excessivo. Quando se pensa em excesso no cinema, o que vem? Os anos 1980. Afirmada a personagem, o que mais esperar? Que Diana/Mulher-Maravilha seja a James Bond do mundo dos super-heróis. Fazendo um filme comecei a sonhar o outro. Não apenas o estilo dos anos 1980, mas ambientado em 1984, um ano emblemático".
E Gal, linda – dessa mulher emana uma luz. Ela não parece uma superstar. Olha o repórter no olho, e ri – uma risada radiante, de quem está de bem com a vida. Qual será a grande novidade de MM84, Gal? "Quero o meu amor de volta", ela diz. Mas Steve/Chris Pine morreu no fim do outro filme? Como poderá (re)viver? Em flash-back? E como, se o filme se passa mais de 60 anos adiante? Sem spoiler, espere o filme para ver. Mas tudo acontece de uma forma muito orgânica. "Cobre se não for assim", agora é a diretora que fala. Gal já falava, há um ano, da eletrizante cena que abre o filme. Não exatamente a primeira, que é uma cena dela menina, sendo confrontada com a ética. Não mentir, não trapacear. No filme anterior, já fomos apresentados ao laço da verdade, e ele vai voltar. A cena de que Gal falava é a segunda na estrutura montada por Patty. Uma ação num shopping, cheia de piscares de olhos cúmplices.
Mulher-Maravilha virou ícone, as crianças projetam-se nela. Não apenas as crianças. De cara, Diana é apresentada a Kristen Wiig como Barbara, a cientista pouco confiante de si mesma que imediatamente já está soltando o verbo. Gostaria de ser segura como Diana. Na época, nem a atriz nem a diretora falaram de um detalhe fundamental nessa primeira parte, de abertura. Os saltos altos. Diana move-se com graça no alto de seus saltos. Barbara é um desastre, tropeça, quase cai. Se o cinema pode ser uma caixa (máquina?) de sonhos para fornecer ao público aquilo que deseja, só agora, depois de assistir a MM84, faz sentido uma frase de Patty – "Cuidado com seus sonhos". Eles podem se realizar, mas, em geral, cobram um preço. Há uma pedra misteriosa, que surge na trama para realizar o sonho das pessoas. O de Barbara é ser como Diana, é se transformar numa superfêmea predadora alfa – mais poderosa que a Mulher-Maravilha. O de Diana é ter Steve de volta.
E quem vai se apropriar da pedra, para dominar a mente das pessoas realizando os sonhos delas, é um tal Maxwell Lord, interpretado por Pedro Pascal. Uma coisa que Patty já havia antecipado, mas, claro, só agora faz sentido. "Será", ela dizia há um ano, "um filme sobre duplos".
Diana e Barbara, a Mulher-Maravilha e sua versão para o mal. Steve e Lord, o herói e seu antinomio. Lord está sempre falando para o filho de seu sonho de se realizar como herói aos olhos do menino. Sua obsessão por poder fará dele um monstro. E essa é a história. Gal, uma israelense que foi Miss em seu país e fez participação secundária em filmes como os da série Velozes e Furiosos, já falava na grande mudança que ocorre com a personagem. "O primeiro filme era sobre Diana descobrindo seus poderes e olhando a humanidade de fora. Agora, ela faz parte dessa humanidade e se vulnerabiliza. Sofre com a solidão e tem de fazer uma escolha trágica." Alguma novidade em especial no novo filme? "Existem muitas novidades, porque desde o início Patty deixou claro que não seria simplesmente oferecer mais do mesmo.
Felizmente, o estúdio lhe permitiu ousar. É uma história de amor e verdade, na qual Diana precisa de um novo uniforme para triunfar." Esse uniforme – uma armadura dourada – foi sendo revelado ao longo do ano em publicações especializadas dos EUA. Será decisivo no embate definitivo entre Diana e sua rival, Barbara/Cheetah.
A estrela e a diretora adquiriram consciência do que representa ter feito um filme como MM, o 1. "O filme surgiu no momento em que o mundo e a indústria estavam prontos para uma heroína como ela. Agora, com todo excesso, acho que Patty tem uma consciência mais clara do que fizemos. Gostaria que MM vivesse mais vezes, mas só se for assim. Como uma mulher e heroína do nosso tempo. Vivi numa das regiões mais conflagradas da Terra (o Oriente Médio). Para mim, toda mulher é uma heroína, desde que não perca a humanidade nem a compaixão", conclui Gal.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>