Rafael Nadal, Roger Federer e Novak Djokovic. Além de títulos, conquistas e feitos históricos, o que os três tenistas têm em comum é uma poderosa força mental dentro de quadra. Uma capacidade psicológica diferenciada que permitem a eles superar lesões e problemas do mais variados para brilhar no saibro, nas quadras duras e, a partir desta segunda-feira, também na grama de Wimbledon e suas duras batalhas de até cinco sets. Parte do segredo deles é o chamado treino mental, que se tornou essencial em equipes, clubes e até entidades, como o Comitê Olímpico do Brasil (COB).
Por caminhos diferentes, os três principais favoritos ao título do Grand Slam londrino investiram tempo e energia em formas de cultivar a força mental. Atual número 1 do mundo, Djokovic é quem mais se dedicou a um trabalho mental mais formal. Seu treino se baseia na meditação do tipo “mindfulness”, que poderia ser traduzido como “atenção plena”.
“É uma forma de meditação em que, em vez de buscar o silêncio e encontrar a paz interior, você permite e aceita o próprio fluxo de pensamentos, objetivamente, sem julgá-los, enquanto se mantém com plena consciência daquele momento naquele tempo da realidade”, explicou o tenista, em seu livro “Sirva para Vencer”. Djokovic, que atribui sua ascensão no circuito também a este treino mental, diz praticar a meditação por ao menos 15 minutos por dia.
Federer nunca expôs publicamente a sua técnica mental para manter a concentração. Mas já indicou diversas vezes que segue padrão semelhante ao de Djokovic, na tentativa de conviver com os pensamentos negativos que lhe ocorrem ao longo de uma partida importante. “Não importa quão positiva seja uma pessoa, a negatividade estará em torno de você em algum momento e você começa a pensar: estou perdendo por 6/4, fiz tudo errado, deveria ter feito isso e aquilo”, disse o suíço após dura vitória em Roterdã em 2018. Foi no torneio holandês que ele recuperara a posição de número 1 do mundo.
Nadal, por sua vez, aposta em uma atitude mental que parte “de fora para dentro”, seguindo orientação do seu tio e então técnico Toni. Para o hoje ex-treinador, o tenista deve se apresentar com uma “cara boa” para o jogo. A técnica influenciaria e condicionaria a confiança do atleta por exigir um rosto sem expressão, sem a irritação por um erro no ponto anterior ou a empolgação pelo acerto. A ideia é manter o pensamento somente no presente.
As técnicas usadas pelos grandes tenistas do circuito vão ao encontro do que pregam os especialistas. Para eles, a força mental é tão importante que pode até compensar limitações técnicas. É o que diz Marcelo Abuchacra, psicólogo especializado em tênis, a respeito do espanhol campeão de Roland Garros pela incrível 12.ª vez, no mês passado.
“A força mental dele se sobressai em relação aos demais tenistas. Tecnicamente, ele pode ser inferior ao Federer ou ao Dominic Thiem, que foram derrotados por ele em Paris e são mais completos. Mas o Nadal compensa isso com suas habilidades psicológicas”, explicou Abuchacra, que atua com tenistas e jogadores de futebol tanto no consultório quanto nos treinos. “Um atleta não precisa treinar sua técnica e o físico? Então tem que treinar a parte mental também. E, da mesma forma, precisa de um treinador para isso. É preciso conhecimento científico para ir a fundo na performance”.
Uma das três preparadoras mentais do COB, a psicóloga Alessandra Dutra reforça que o trabalho mental deve fazer parte da rotina. “É mais ou menos como ir para a academia. Você reserva uma hora por dia para treinar, assim como treina outros aspectos, como o físico e o técnico”, ensinou. A repetição se justifica: “A performance depende muito do autoconhecimento. Quanto mais se conhece, mais o atleta consegue entender as suas forças. E isso lhe dá ferramentas para lidar com as adversidades, tanto na competição quanto no cotidiano”.
Além da meditação, os especialistas ensinam outras técnicas aos atletas, como a respiração diafragmática, e a dessensibilização, que consiste em deslocar o foco do atleta, principalmente quando ele está com lesão. Há ainda exercícios neurocognitivos, de visualização, para a chamada “acomodação emocional”. O objetivo é fazer com que a performance esportiva não prejudique a saúde mental do atleta.
De acordo com a psicóloga, o treino mental já conta com aval científico. “Temos psicólogos brasileiros do esporte que já fizeram doutorado sobre o tema e mostraram como estes recursos são superimportantes e indicados para aumentar a performance dentro ou fora do esporte”.