Madrugada em um fim de semana qualquer, alto do Morro do Vidigal, entre Leblon e São Conrado: no mesmo ponto que traficantes usavam para vender drogas e torturar inimigos, mais de 300 pessoas dançam até o sol surgir na vista livre de toda a orla da zona sul. Frequentadas por turistas e por jovens de classe média e alta vindos de bairros nobres do Rio, as festas se tornaram sensação depois de consolidada a Unidade de Polícia Pacificadora (UPP).
De janeiro de 2012 para cá, o Vidigal, que sempre se destacou entre as favelas cariocas por paisagem exuberante, grau de urbanização e vocação cultural, passou a ser notícia cada vez menos pelas ocorrências policiais e mais pela agenda social e frequência de celebridades – o ex-jogador inglês David Beckham e o rapper americano Kanye West já compraram casas lá, garantem corretores imobiliários locais.
O Vidigal está na moda ainda que as estatísticas mostrem aumento de registros de crimes. Em 2007, foram registrados 14 casos de lesão corporal dolosa no Vidigal; em 2013 (dado mais recente), 95. Os estupros passaram de zero a 6 e os casos de ameaça, de 12 a 73. No entanto, a sensação de tranquilidade hoje é incomparável à tensão da época em que a favela, oficialmente, tinha “donos”.
A explicação para essa aparente contradição, segundo o comandante da UPP, tenente Carlos Veiga, é uma só: antes da ocupação, que soma 246 PMs, os moradores tinham receio de registrar roubos, ameaças ou estupros, deixando a “justiça” nas mãos dos bandidos. “Crime sempre ocorreu e vai ocorrer, em todo lugar. Mas fuzil no meio da rua e domínio de território não tem mais. Daqui a pouco os traficantes estarão vendendo até Avon”, ironiza, lembrando que foi apreendida uma carga de anabolizantes com o último chefe do morro, Rogério da Silva, o Bolacha, em julho.
Arvrão e Da Laje. Bolacha foi encontrado em um pagode no Arvrão, justamente o ponto no qual o tráfico agia, e onde foram erguidos os dois empreendimentos que mais chamam a atenção no novo Vidigal: o hotel-butique Mirante do Arvrão, que faz um ano em dezembro, e o hostel e bar Da Laje, inaugurados antes da Copa do Mundo.
É neles que são realizadas as festas e os shows mais badalados do morro, que recebem artistas como Selton Mello, Daniel de Oliveira e Lázaro Ramos, e cuja propaganda foi turbinada pela última novela da TV Globo das 21 horas, Em Família, com cenas gravadas em suas varandas. A Casa da Tapioca, vizinha, também é movimentada.
O apelido Arvrão se deve à árvore grande que resiste sobre o Morro Dois Irmãos em uma área desmatada desde as primeiras décadas do século passado.
O acesso não é nada fácil: é preciso subir a íngreme via principal, o que, nas noites de festa, é feito em vans, carros contratados e mototáxis – que cobram mais caro de quem não é morador (o valor oficial é R$ 2,50; o desavisado paga R$ 10). “Não é qualquer pessoa que se hospeda aqui. É o turista cool, que tem entre 18 e 35 anos e quer ter uma experiência diferente”, defende Conrado Denton, sócio do Mirante do Arvrão.
Há duas semanas, o charmoso deque de madeira, onde funciona a primeira filial da rede de botecos Belmonte em uma comunidade, o Belmontinho, ficou lotado para o Bourbon Street, festival de jazz nascido em São Paulo sob inspiração de Nova Orleans. O hotel, cuja suíte principal, de paredes de vidro, tem visão panorâmica da orla e vai custar R$ 1 mil na alta temporada – dali é possível apreciar até o Leme, a dez quilômetros de distância – é projeto do arquiteto Hélio Pellegrino, um dos primeiros a investir no Vidigal pós-UPP.
Se Denton veio do Leblon, Fabíola Barroso, sócia do Da Laje, nasceu no Vidigal, e está entusiasmada, após viver o terror da guerra do tráfico que aterrorizou a comunidade entre 2004 e 2006. Ela cobra diárias mais modestas, em quartos coletivos, e organiza feijoadas com show de MPB com entradas a R$ 30.
A ideia é atrair também o morador do Vidigal, que se intimida com as novidades. “É tudo muito novo, e o desconhecido dá um certo medo”, diz o líder comunitário Marcelo da Silva. O corretor José Silva, que diz ter vendido 60 imóveis no Vidigal em quatro anos, calcula que a valorização dos imóveis acompanhe os índices da zona sul. Em 2010, vendeu por R$ 170 mil um imóvel pequeno no chamado “prédio dos artistas”, que abriga os compositores Sergio Ricardo e Otto – o mesmo onde moraram, 40 anos atrás, Gal Costa e Lima Duarte, entre outros. “Hoje, o mesmo apartamento sai por R$ 850 mil.” As informações são do jornal O Estado de S.Paulo.