Pivô da crise diplomática causada pela retirada clandestina do senador boliviano Roger Pinto Molina de La Paz, o diplomata Eduardo Sabóia deverá ser um dos analistas técnicos da Comissão das Relações Exteriores (CRE) do Senado. Nesta quarta-feira, 11, o novo presidente da Comissão, Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), anunciou que Sabóia aceitou seu convite e espera apenas a liberação do Ministério das Relações Exteriores para assumir o cargo. Sua saída, ainda que temporária, do Itamaraty, aparece como uma solução para os dois lados. Para Sabóia, porque deixa a geladeira onde está desde a crise. Para o ministério, porque pode tentar enterrar o caso, cuja investigação continua “em aberto”, um ano e meio depois de ter se encerrado o prazo oficial de apuração.
Sabóia mostrou satisfação com convite. “Eu acho uma função interessante. Eu nunca trabalhei no Congresso, mas tenho muito apreço pelo apoio que recebi de vários senadores. Continuo sendo servidor, funcionário de carreira, tenho muito apreço pelo Itamaraty, espero poder ajudar a política externa”, disse ao jornal “O Estado de S. Paulo”. O diplomata não acredita que vá haver qualquer empecilho a sua cessão para o Senado, já que vários colegas já trabalharam e trabalham normalmente assessorando comissões e parlamentares.
Desde que voltou de La Paz com Molina, quando retirou o senador escondido em um carro oficial da embaixada, Sabóia trabalha normalmente no departamento econômico do Itamaraty, mas sua carreira está em suspenso. Sem a definição se será punido ou não, não pode ser removido e dificilmente conseguirá a promoção a embaixador, último degrau da carreira. A sindicância que investigou sua atuação na retirada do senador boliviano, refugiado na embaixada brasileira, concluiu que o diplomata teria sido desleal à instituição e teria infringido os princípios de hierarquia e disciplina, pediu a abertura de um Processo Administrativo Disciplinar (PAD).
O prazo máximo do PAD é de 60 dias, prorrogáveis por mais 60 “quando as circunstâncias o exigirem”, contados a partir da criação da comissão. O manual sobre o processo, preparado pela Corregedoria Geral da União, afirma ainda que esse prazo, de no máximo 120 dias, é “absoluto”. Ou seja, não pode ser mais prorrogado de maneira nenhuma. Nesse caso, venceu há 15 meses, mas o Itamaraty não tomou nenhuma providência, nem para punir nem para inocentar Sabóia ou o outro diplomata envolvido no caso, Marcelo Biato, embaixador em La Paz na época da fuga de Molina, mas que não estava na cidade no dia. “É muito estranho. Eu fico em suspenso. Mas todos os prazos, do ponto vista jurídico, já estão prescritos, eu acho,assim que eu estou vendo”, explicou.
As informações obtidas pelo jornal são de que o então ministro das Relações Exteriores, Luiz Alberto Figueiredo, recusou-se a tratar do assunto. Depois de concluída a investigação e definida qual seria a punição, seria o ministro que deveria assinar e mandar publicar o resultado. Até onde se sabe, o processo continua nas mãos da Corregedoria.
A principal razão seria o fato de que, furiosa com o caso, que abriu uma crise diplomática com a Bolívia, a presidente Dilma Rousseff queria a demissão de Sabóia. A conclusão do PAD, no entanto, não daria bases legais para o afastamento definitivo do servidor. Além disso, com o Itamaraty em crise e com pouco apelo entre seus colegas, Figueiredo não teria força para bancar uma punição mais dura ao diplomata – mesmo que fosse condenado por alguns colegas, que se opuseram a sua ação, a demissão seria extremamente indigesta para a categoria – e nem condições de negociar com a presidente uma punição mais branda. A solução teria sido pôr o caso na geladeira. Oficialmente, o Itamaraty apenas informa que o caso “continua em investigação” e por isso não há comentários.
A saída de Sabóia do Itamaraty, mesmo que não definitiva, pode destravar as relações entre a CRE e o ministério. Hoje, no primeiro dia depois da sua eleição, Aloysio Nunes esteve com o ministro Mauro Vieira. No Itamaraty, a esperança é de que a saída de Ricardo Ferraço (PMDB-ES) da presidência, mesmo que trocado por um tucano, permita ao menos a aprovação do nome do embaixador Raymundo Magno para a embaixada em La Paz. Desde a crise, em agosto de 2013, a representação do Brasil está sem chefe, funcionando apenas com o encarregado de negócios, porque a CRE recusa-se a pôr o indicado em votação enquanto não houver uma solução para o caso do diplomata.