Desde que descobriu uma alteração no ritmo cardíaco aos 10 anos, Cecília Ribeiro, hoje com 18, se submete todos os anos a um eletrocardiograma, exame que registra oscilações geradas pela atividade elétrica do coração. O hábito, estendido aos pais e à irmã de 12, deve ser adotado por todas as crianças e adolescentes de 10 a 15 anos que vão iniciar prática esportiva ou cuja família tem histórico de doença cardiovascular, alerta o Instituto do Coração (Incor).
O eletrocardiograma funcionaria como um “RG do coração”, ajudando no diagnóstico de doenças congênitas. “Exames clínicos não detectam problemas genéticos. Como os sintomas não se expressam, o jovem pode ter morte súbita ou arritmia ao fazer exercício físico sem saber das suas condições”, disse Carlos Alberto Pastore, cardiologista do Incor e presidente da Sociedade Internacional de Eletrocardiologia. Mais de 90% dos problemas cardíacos, principalmente os congênitos, podem ser diagnosticados através de eletrocardiograma simples, de acordo com o cardiologista.
No exame, que dura cerca de cinco minutos, o paciente deita de barriga para cima em maca. Eletrodos fixados nos braços, pernas e tórax captam os estímulos elétricos do coração e suas repercussões. “É um exame de prevenção, muito simples e indolor. É um erro as academias e clubes não exigirem avaliação cardiológica para início de atividade física”, disse.
Cerca de 140 mil pessoas morrem de doenças do coração no Brasil a cada ano, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). A alteração no ritmo cardíaco de Cecília já havia sido identificada pelo pediatra. “Ela teve uma infância totalmente normal. Mas quando nos mudamos de Brasília para São Paulo, o pediatra recomendou o acompanhamento com um cardiologista”, disse Ariadne Silva, 47 anos, mãe de Cecília.
Um eletrocardiograma simples e um monitoramento contínuo por 24 horas detectaram que a garota sofre de bradicardia, quando o coração tem batimento mais lento do que o normal. “Nada mudou na vida dela. Mas agora somos mais conscientes”, disse Ariadne. Todos na família praticam esportes com acompanhamento profissional e usam frequencímetro, aparelho que mede os batimentos cardíacos.
A recomendação do Incor ainda gera controvérsias no Brasil e no exterior. “Não há estudos consistentes que indiquem a necessidade de eletrocardiograma para pessoas saudáveis e sem sintomas. Recomendações desse tipo assustam a população”, afirmou Gustavo Gusso, diretor da Sociedade Brasileira de Medicina da Família e Comunidade. Para o médico, eletrocardiogramas em pacientes sem sintomas podem gerar falsos diagnósticos ou detectar alterações que não terão consequências na vida do paciente.
Em 2012, o American College of Cardiology (Colegiado Americano de Cardiologia) e o US Prevention Task Force (Força Tarefa de Prevenção dos Estados Unidos) classificaram como inadequados eletrocardiogramas para pacientes sem sintomas. “Nos Estados Unidos eles têm uma visão mais voltada para o lado financeiro e são contra por conta dos custos. Mas na Europa essa recomendação é seguida há anos”, defende Pastore. No Brasil, o eletrocardiograma pode ser realizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS), com custos que variam de R$ 30 a R$ 50.