Economia

Lei de retomada traz poucos reflexos ao mercado de veículos

A nova lei de retomada de veículos financiados com prestações em atraso completou sete meses em vigor, mas sem muito efeito na prática, o que de um lado frustrou a expectativa da indústria automobilística, mas, do outro, comprovou o baixo apetite dos bancos para emprestar no segmento. Embora a regra já tenha facilitado a recuperação de alguns itens, conforme executivos ouvidos pelo Broadcast, serviço em tempo real da Agência Estado, a primeira metade de 2015 indica mais um ano de encolhimento das carteiras e uma possível inversão apenas no próximo exercício.

De janeiro a junho, a venda de veículos novos no Brasil caiu 20,67% ante mesmo intervalo do ano passado, conforme dados da Federação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Fenabrave). Como sequência, as carteiras de crédito dos bancos continuam encolhendo. Informações da Cetip mostram que, de janeiro a maio, o total de financiamentos de veículos novos e usados recuou 11,8% em 12 meses. Considerando somente os zero quilômetro, a queda é ainda maior, de 20,4%.

Os números, na visão do diretor executivo do Bradesco, Altair de Souza, reforçam um ano difícil para o mercado, com as questões econômicas pesando mais do que a própria necessidade de maturação da nova regra. “Há um consenso de que o ano é de ajustes na economia. O terreno está sendo preparado para que em 2016 seja possível uma retomada da confiança e, consequentemente, o crescimento dos empréstimos”, avalia ele.

No Bradesco, a carteira de crédito para veículos recuou 8,0% no primeiro trimestre ante um ano. A maior queda, porém, está no Itaú Unibanco, com retração de 29,0% nos empréstimos destinados ao segmento no período. Fernando Chacon, diretor da instituição, explica que o volume de empréstimos está relacionado com as vendas de veículos. “A demanda está retraída em virtude do cenário econômico do País. Percebemos algum ganho no tempo de retomada dos bens com a nova lei, porém, tendo em vista o prazo de vigência da norma, ainda é cedo para conclusões definitivas”, destaca Chacon.

Além de um prazo maior de maturação para que a nova lei gere resultados mais efetivos, os bancos defendem aprimoramentos para que, de fato, os veículos financiados e inadimplentes possam ser recuperados em menos tempo. Via a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), enviaram para o governo recentemente sugestões como, por exemplo, a possibilidade de retomar o bem aonde estiver. Isso porque, apesar de a notificação ao devedor ter sido facilitada, como a garantia é móvel, há dificuldades para recuperá-la.

Nem todo o Brasil já implementou a nova regra. Em Santa Catarina, Minas Gerais e Goiás, a lei de retomada, segundo fontes, ainda enfrenta resistências para ser efetivada, segundo uma fonte. No Sul, por exemplo, o histórico de contestações por parte dos consumidores compromete a aplicabilidade de certas leis. “A lei já está funcionando e fluindo bem na maior parte do Brasil. Temos bons exemplos no mercado, mas alguns estados ainda estão se enquadrando”, diz Edmar Casalatina, diretor de empréstimos e financiamentos do Banco do Brasil.

O presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Luiz Moan, atribui o pequeno efeito da lei sobre o apetite das instituições financeiras para financiamento de automóveis até agora à falta de segurança jurídica da legislação, em vigor desde novembro de 2014. “Enquanto não houver uma segurança jurídica maior, realmente o apetite não vai mudar”, afirma ele.

Moan se refere à Ação Direta de Inconstitucionalidade impetrada no Supremo Tribunal Federal (STF), em abril, pelo Instituto Nacional de Defesa do Consumidor (Idecon). No processo, a entidade pede que o STF declare como inconstitucional dispositivo da lei que possibilita às instituições financeiras apreenderem veículos com base em declaração de atraso de pagamento comprovada por simples carta registrada, sem exigência de assinatura do devedor.

Para o Idecon, a comprovação da mora deve se dar por envio de carta registrada de forma extrajudicial, por meio de qualquer cartório de títulos e documentos ou ainda por protesto de título. O relator da ação no Supremo, ministro Marco Aurélio de Melo, aguarda emissão de pareceres da Advocacia-Geral da União (AGU) e da Procuradoria-Geral da República para emitir seu voto sobre o tema.

O gerente de operações do Banco Volkswagen, Issaia Abbud, reconhece que a legislação trouxe benefícios para o setor, mas avalia que ainda é “prematuro” avaliar os efeitos dela sobre o apetite das instituições financeiras. “Ainda não tem materialidade estatística para que seja avaliada”, justifica.

Segundo ele, é necessária uma análise de uma base portfólios de operações realizadas por pelo menos durante dois anos. “Temos primeiro de gerar uma base de novas operações, ver o comportamento delas e, se realmente forem reconhecidas pelas instituições, pode ter esse efeito para as novas operações”, afirma Abbud. De acordo com ele, a expectativa é de que essa análise mais detalhada seja possível a partir de 2017.

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