Pressionados por pacientes e insatisfeitos com a redução das atividades práticas, os médicos residentes da Santa Casa de São Paulo ameaçam interromper parte do atendimento ambulatorial na unidade por causa do cancelamento das cirurgias não emergenciais na instituição.
A reportagem revelou nesta quarta-feira, 27, que a Santa Casa suspendeu, na semana passada, a realização de todas as cirurgias eletivas por falta de verba. Por mês, o hospital faz pelo menos 900 procedimentos do tipo.
Com a crise financeira, a direção da instituição optou por priorizar os atendimentos no pronto-socorro e o tratamento de doentes já internados. De acordo com a superintendência, se os procedimentos não urgentes fossem mantidos, não haveria recursos para a compra de materiais e medicamentos para a assistência a pacientes com quadros emergenciais.
Os cerca de 120 residentes de especialidades cirúrgicas da Santa Casa afirmam estar sendo duplamente prejudicados pela situação. Por um lado, viram o número de operações realizadas despencar, o que prejudica a formação na carreira. Por outro, têm sofrido pressão e até ameaças de pacientes que tiveram as cirurgias canceladas.
“Um dos médicos recebeu ameaça de que seria processado porque a cirurgia de um familiar, que está com câncer, foi cancelada. Os residentes geralmente estão na linha de frente do atendimento à população e têm sido responsabilizados pelos pacientes pela situação”, diz Paulo Cesar Rozental, presidente da Associação dos Médicos Residentes do Estado de São Paulo (Ameresp).
Rozental afirma que, diante do problema, os residentes pediram à Santa Casa que fixasse por todo o complexo hospitalar comunicados sobre a decisão da direção de suspender as cirurgias, para que os pacientes soubessem que a realização dos procedimentos independe da vontade dos médicos. “Os residentes pediram que isso fosse feito até a última segunda-feira, mas não aconteceu até agora. Amanhã (hoje) eles farão uma assembleia para definir uma possível paralisação das atividades ambulatoriais porque a situação está crítica”, diz.
O superintendente da Santa Casa, José Carlos Villela, afirmou à reportagem nesta quarta-feira, 27, que já havia determinado na terça-feira, 26, aos diretores da unidade, que a comunicação dos cancelamentos de cirurgias passasse a ser feita pelos médicos assistentes da equipe, e não pelos residentes. “Se essa era a principal reivindicação deles, está resolvida. E vou formalizar isso em reunião que terei com eles amanhã (quinta-feira, 28) à tarde”, diz.
Formação insuficiente. Rozental afirma que, em algumas especialidades cirúrgicas, a queda no número de operações foi significativa, e que isso compromete a formação prática dos residentes. “O número já vinha sendo reduzido desde 2014, quando a crise se intensificou. Em uma das especialidades, por exemplo, eram feitas de 80 a 100 cirurgias eletivas por mês, depois passou para 30, e, nesta última semana, caiu a praticamente zero”, diz. “A residência é o melhor formato de formação médica porque nada substitui a prática e a supervisão de profissionais experientes.”
Com o número baixo de atividades práticas, residentes de áreas cirúrgicas cogitam trocar de instituição. “Alguns estão pensando em parar a residência na Santa Casa e prestar em outro lugar”, afirma um médico que acompanha os residentes e não quis se identificar.
O superintendente admite que a situação é desfavorável à formação dos médicos, mas que a prioridade deve ser o atendimento a pacientes emergenciais. “Sei que eles querem operar mais, mas a segurança dos pacientes internados vem antes da capacidade do aprendizado”, afirma.
Segundo o último edital de residência da Santa Casa, foram oferecidas vagas nas seguintes especialidades cirúrgicas: cirurgia geral, de cabeça e pescoço, cardiovascular, do aparelho digestivo, pediátrica, plástica, torácica, vascular, coloproctologia e urologia. Contando especialidades clínicas e cirúrgicas, a Santa Casa tem hoje cerca de 650 residentes.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.