O ato que marcou os 40 anos do assassinato do jornalista Vladimir Herzog nos porões da ditadura militar se transformou neste domingo, 25, em um protesto contra a violência do Estado registrada mesmo após 30 anos de redemocratização do País. Ao discursar para uma Catedral da Sé lotada, em São Paulo, Ivo Herzog, filho do ex-diretor da TV Cultura, criticou o governo do Estado e o Ministério Público pelos recentes assassinatos cujas autorias são atribuídas a policiais militares.
“O que a Polícia Militar de São Paulo tem feito ao assassinar pessoas é algo inaceitável. É inaceitável também que o Ministério Público arquive processos contra esses policiais. A cultura da violência tem que mudar”, disse Ivo Herzog, sob aplausos. Após o discurso, ele afirmou que “a cultura da violência policial tem que ser denunciada de todos os jeitos, e o lugar mais apropriado é aqui”.
Centenas de pessoas, entre elas ex-presos políticos, se aglomeraram ontem em frente à catedral para reeditar, no mesmo local e 40 anos depois, o ato inter-religioso ocorrido em 1975, uma semana após a morte do jornalista. Na ocasião, com a igreja cercada por 500 militares, cerca de 8 mil pessoas protestaram silenciosamente contra a versão oficial de suicídio no ato que hoje é considerado o início da derrocada do regime ditatorial do Brasil.
Ontem, pontualmente às 14h30, hora atribuída à morte de Herzog 40 anos antes nas dependências do DOI-Codi (Destacamento de Operações Internas – Centro de Operações de Defesa Interna), os versos de “Para não dizer que não falei das flores”, de Geraldo Vandré, canção símbolo da luta contra a ditadura, começaram a ser entoados enquanto um público emocionado entrava na igreja.
Em seguida foi realizado um ato com a participação de representantes de oito religiões, nos moldes daquele ocorrido há quatro décadas. Oradores se revezaram em discursos que lembraram mortos e torturados pelo regime e ressaltavam a necessidade de continuar a luta contra violações dos direitos humanos.
O coral Luther King, que participou do ato em 1975, repetiu a execução da canção de protesto Calabouço, cantada, como há 40 anos, pelo compositor Sérgio Ricardo. “O ato foi à altura da indignação daquela época”, disse ele, emocionado.
Outras músicas que marcaram a época também foram executadas sob forte emoção, como “O bêbado e a equilibrista”, de João Bosco e Aldir Blanc, que faz referência ao choro da viúva do jornalista. “Foi um protesto mas feito também com música e alto astral”, disse Clarice Herzog.
Para ela, o ato de 31 de outubro de 1975 foi uma declaração de “basta”. “Foi uma tomada de consciência de que a gente deveria fazer alguma coisa. Tive que provar para a sociedade que Vlado foi assassinado e consegui”, disse ela, lembrando que sua luta contribuiu para a revelação de outros casos semelhantes.
Quarenta anos depois, Clarice ainda critica a postura do Exército diante do caso. “Não houve punição. Os torturadores seguem trabalhando para o governo com os impostos que eu pago. O Exército deveria ter a coragem e honradez de declarar quem fez aquilo.”
Audálio Dantas, ex-presidente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo e um dos organizadores do ato de 1975, disse que quatro décadas não foram suficientes para que o assassinato de Herzog e outros casos fossem esquecidos. “As lembranças contribuem para que, de algum modo, essas coisas não aconteçam novamente.”
As homenagens à data se estendem por esta segunda-feira, 26, com reinauguração da praça Vladimir Herzog, no centro. Em seguida haverá a solenidade de apresentação do relatório final da Comissão da Verdade da Câmara Municipal de São Paulo, com homenagem a personagens da luta contra a ditadura. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.