Apesar do bom humor costumeiro, Luis Miranda anda um tanto irritado. Um dos motivos foi o voo que trouxe o ator da Bahia até São Paulo, nesta semana. "Não é possível entender o que significa um aeroporto lotado, cheio de passageiros e com funcionários empurrando as pessoas para dentro do avião. É desumano. Enquanto isso, teatros e cinemas estão fechados."
Desde o começo da quarentena, o ator nascido em Santo Antonio de Jesus, no Recôncavo Baiano, deixou o Rio para evitar a aglomeração e também se recolher. "Com a suspensão das gravações e dos outros projetos, mudar foi um jeito de esperar a tempestade passar", ele conta ao <b>Estadão</b>, por telefone. "Mas, pelo jeito, já acabou para alguns setores, e está longe para outros."
Nesta quinta-feira, 1º, ele estreia uma nova iniciativa, em termos de formato, mas com trajetória construída. Madame Sheila, sua personagem, ganha nova encenação em uma temporada de oito atos, dirigida por Monique Gardenberg e transmitida, semanalmente, pelo Teatro Unimed.
Com sua personalidade singular, Madame Sheila é uma mulher que gosta de vestir grifes, aproveitar o luxo e tem uma língua afiada. Como a caricatura de uma parcela da sociedade, a figura encarna os pesadelos e as contradições de uma classe social no dia a dia de seu nobre condomínio. "Ela se vê confinada em seu closet, lidando com a rotina da quarentena ao lado de seus funcionários", diz o ator. "Como muitas socialites, Madame Sheila não dispensou a empregada porque não gosta de lavar louça, e acha que pessoas vivem nas ruas porque gostam." Para Monique, o humor surge da reação da mulher à nova dinâmica. "Ela tem a súbita descoberta de que depende 100% dessa gente, e entra em desespero."
Mas a Sheila não surgiu tão antenada e atual assim, lembra Miranda. Como um fantasma que se aproxima, a figura de madame surgiu em improvisos, muitos deles durante as temporadas no Teatro da Vertigem, a partir dos anos 1990. Embora se fale em nomes como Matheus Nachtergaele e Mariana Lima, Miranda também integrou o elenco da Trilogia Bíblica, conjunto das primeiras – e mais polêmicas – produções da companhia de Antônio Araújo. "Estávamos na Venezuela e comecei a improvisar uma personagem que comentava suas estadias fabulosas e viagens de luxo."
Nas mãos de atores com forte veia cômica, personagens de sinceridade voraz, como a Dona Hermínia, de Paulo Gustavo, se configuram como fortes observadoras, lentes de aumento da realidade. Não por atacar os defeitos dos outros, mas porque reúnem o patético em si mesmas.
Nesse sentido, Miranda também recorreu a Dorothy Parker, escritora e dramaturga conhecida pelas críticas à sociedade norte-americana publicadas no The New Yorker, no início do século passado. É dela a frase: "O dinheiro não compra saúde, mas eu me contentaria com uma cadeira de rodas cravejada de diamantes". O destaque que recebeu pela contundência de suas ideias rendeu à autora uma série de perseguições por suas posições políticas, consideradas de esquerda. Em Hollywood, foi colocada na chamada lista negra. No testamento de Dorothy, seus bens foram repassados a Martin Luther King Jr. "Apesar de vir de uma família judaica, ela também esteve próxima da luta contra o racismo", ressalta o ator.
No palco, Madame Sheila deu os primeiros passos no Terça Insana, criado em 2001 por Grace Gianoukas. Em 2006, Miranda estreou 7 Conto A Comédia, com direção de Ingrid Guimarães, trazendo a performance da inesquecível Dona Edith, a líder comunitária que ensina "como criar os filhos na favela".
Com esse repertório que faz graça de ricos e pobres, Miranda defende que o ser humano é o alvo de sua comédia, e crítica."A pandemia não vai amadurecer ninguém. Madame Sheila, por exemplo, não usa máscara porque tem leito no hospital para pessoas como ela." O noticiário sobre os protestos antirracistas também se mistura à acidez da personagem, diz Miranda."É como um flerte, que desperta a ironia da situação."
A boa adaptação de Madame Sheila no universo atual da pandemia também se deu pela encenação do projeto, que já pode deixar de ser considerado apenas teatro. Com cenografia de Daniela Thomas e figurino de Jorge Farjalla, o espetáculo foi filmado com quatro câmeras. "Preferimos gravar pela qualidade obtida na imagem, é uma teledramaturgia. Com isso, também valorizamos o trabalho de toda a equipe."
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>