O governo espera derrubar ainda no plenário da Câmara a Proposta de Emenda Constitucional 215 que transfere o controle de demarcação de terras indígenas do Executivo para o Legislativo. O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, no entanto, já contabiliza os prejuízos com a aprovação na terça-feira, 27, da PEC numa comissão especial formada na sua maioria por deputados da bancada ruralista. “Mesmo se prosperar no Congresso, a proposta não será aceita pelo Judiciário por ser inconstitucional, mas o simples fato de andar incendeia o conflito, acirra os ânimos e coloca querosene na fogueira”, avaliou. “A discussão não é boa para os índios e os agricultores.”
Em entrevista na noite desta quarta-feira, 28, ao jornal “O Estado de S. Paulo” e à Agência Reuters, Cardozo disse que começará, agora, um mutirão de entendimento entre lideranças indígenas, agricultores, Fundação Nacional do Índio (Funai), Ministério Público e Judiciário para solucionar os impasses. “A PEC é inconstitucional, pois o artigo 2º da Constituição prevê o princípio da separação de poderes e uma demarcação de terras é típica do Executivo”, observou. “A discussão é técnica, não pode se dar por conveniências políticas”, completou. “Essa proposta só trouxe o efeito colateral de um acirramento de conflitos.”
Criticada por movimentos indígenas e de direitos humanos, a PEC também permite a revisão das terras delimitadas e propõe mudança nos critérios e procedimentos para a demarcação das áreas indígenas, que passariam a ser regulamentados por lei e não por decreto, como é atualmente. O ministro José Eduardo Cardozo afirma que o principal erro dos ruralistas em aprovar a proposta na comissão especial da Câmara foi entender que uma simples aprovação resolve um problema histórico. “Nenhuma solução resolverá o problema se não for pactuada”, afirmou. “Soluções impostas de flagrante inconstitucionalidade só agravam o conflito.”
O ministro relatou que tem recebido mensagens do exterior de preocupação com a questão indígena. “Todos os setores precisam ter consciência de que a mediação é o único caminho”, ressaltou. “Nessa disputa, não existe até hoje uma cultura de mediação. Só se busca uma solução pela força física e pela Justiça”, afirmou. Cardozo observou ainda que a questão fundiária é apenas um dos problemas enfrentados pela população indígena, que enfrenta o drama da falta de assistência à saúde e a precariedade do ensino.
Planalto
A presidente Dilma Rousseff é contra a PEC e a orientação do Palácio do Planalto é convencer os deputados da base aliada a derrubarem este procedimento na Câmara, por considerá-lo inaceitável. Mas o governo sabe que enfrentará muitas dificuldades com a bancada ruralista, que é muito forte e apoia a proposta. Caso não consiga reverter a PEC 215 na Câmara, o governo vai tentar derrubá-la no Senado, onde 48 dos 81 senadores, em junho passado, haviam assinado um manifesto contra a proposta. O ideal, para o Planalto, no entanto, é conseguir derrubar o texto na Câmara, ainda que tenha que negociar algo com os ruralistas, como a indenização de benfeitorias.
O governo sabe que, por estar enfraquecido e em momento de reorganização da base enfrentará muitas dificuldades para derrubar a PEC. “Só que o momento é de enfrentar e derrubar”, comentou um assessor palaciano ao reconhecer que a bancada ruralista vai tentar aproveitar este momento de vulnerabilidade da base governista para peitar o Planalto.
Apesar da mobilização da base parlamentar pelo Planalto, o governo prefere que o assunto seja conduzido principalmente pelo Ministério da Justiça, que é quem está orientado a falar sobre o tema, já que a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) é subordinada à pasta.