Irene de Constantinopla foi uma imperatriz bizantina que reinou entre os anos 797 e 802, governando com mão de ferro um império para homens – mas ela só entrou para a história por um gesto cruel: mandar arrancar os olhos do filho, Constantino VI, para evitar que ele lhe tomasse o trono. Já Alma Mahler era uma pianista magnífica, além de compositora, pintora e editora – na Viena do início do século 20, diziam-se maravilhas de seu talento promissor. O marido, Gustav Mahler, no entanto, não aprovava que a esposa continuasse a compor, preferindo que ela cuidasse da casa e dos filhos, o que lhe provocou uma profunda depressão.
São histórias assim que compõem Nós, Mulheres (Todavia), livro que reúne uma série de artigos escritos pela jornalista espanhola Rosa Montero. Perfis de jovens cujo talento foi sufocado por uma sociedade machista, que não aceitava o brilho intelectual de uma mulher.
"Durante milênios, as mulheres foram cidadãos de segunda classe, tanto no Oriente como no Ocidente, tanto no norte como no sul", observa ela, lembrando que centenas de mulheres se destacaram em áreas como ciência, arte, política, economia e astronomia, mas a história foi sexista e nunca as reconheceu, permitindo que morressem e desaparecessem.
O livro é uma continuidade a História de Mulheres, lançado em 1995 (e, no Brasil, em 2008, pela Agir), época em que raros autores se dispunham a escrever sobre a memória das esquecidas. Os 25 anos seguintes foram importantes para a chamada "causa da mulher", especialmente com a gradativa desconstrução do sexismo.
Rosa vê Nós, Mulheres como um trabalho de recuperação quase arqueológica porque "precisamos de modelos reais, precisamos saber que a vida não era nem é como a contaram para nós".
Assim, reuniu 16 perfis de mulheres que se distinguiram em sua área de ação, mas cujo brilho foi enfraquecido ou mesmo ofuscado pela cultura machista vigente. Além de Irene de Constantinopla e Alma Mahler, há nomes que alcançaram uma honrosa reputação, como Agatha Christie, Simone de Beauvoir e Frida Kahlo, além de outras que esperam pelo devido reconhecimento, como a antropóloga americana Margaret Mead ou como as militantes espanholas Aurora e Hildegart Rodríguez, mãe e filha.
Sobre o assunto, Rosa, que reflete como poucos sobre o ofício do escritor, respondeu por e-mail as seguintes perguntas.
<b>Seu livro foi lançado há 25 anos – quem mais sofreu mudanças desde então, homens ou mulheres?</b>
Ambos mudaram igualmente. A desconstrução do sexismo muda as relações entre os sexos e os estereótipos sexuais, de modo que é impossível que o papel da mulher mude sem mudar o do homem. É por isso que sempre digo que o feminismo não é uma questão de mulher, mas de todos, e felizmente muitos homens já sabem disso. Na manifestação de 8 de março em Madri, que foi a maior manifestação feminista do mundo e da história, segundo dados oficiais da polícia, havia 370 mil pessoas, e acho que cerca de 40% eram homens.
<b>As mulheres conquistaram mais direitos nos últimos anos, depois que antigos preconceitos perderam sua força?</b>
Em geral, vêm ganhando mais direitos, é claro, mas principalmente em países industrializados e ocidentais. No mundo, ainda existem mulheres em situação de verdadeira escravidão, privadas de acesso à saúde e educação, submetidas a casamentos forçados ainda quando crianças, maltratadas, mutiladas genitalmente, veladas e silenciadas, presas, espancadas. Existe um inferno na Terra habitado por mulheres que foram privadas de todos os direitos.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>