A informação de que o presidente da República, Jair Bolsonaro, pretende driblar a regra do teto de gastos para bancar o Auxílio Brasil no valor de R$ 400 até dezembro de 2022 provocou uma forte deterioração dos ativos domésticos nesta terça-feira, 19, e levou o dólar à vista a fechar o dia perto do limiar dos R$ 5,60.
Descolada do comportamento externo, a moeda norte-americana operou em alta firme por aqui desde o início dos negócios, a despeito de o Banco Central ter vendido US$ 500 milhões à vista ainda pela manhã. O mercado digeria mal a informação apurada pelo Broadcast (sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado) de que, do valor de R$ 400 do programa social, R$ 100 seriam bancados por uma despesa extrateto da ordem de R$ 30 bilhões.
Também ecoavam nas mesas de operação as declarações da segunda-feira do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), de que não se pode "pensar só em teto de gastos e responsabilidade fiscal" em detrimento da população – lidas como uma senha para abandono da regra fiscal pela classe política.
Para piorar, a reforma do Imposto de Renda, tida como uma das fontes de financiamento do Auxílio Brasil, sofreu um duro golpe após o relator da proposta no Senado, Angelo Coronel (PSD-BA), afirmar que não tem data para apresentar seu parecer. Além disso, a reunião da comissão especial da PEC dos Precatórios prevista para esta terça às 14 horas, foi adiada para a quarta-feira, 20. A aprovação da PEC abriria, em tese, espaço para compatibilizar um Auxílio Brasil maior com o respeito à âncora fiscal.
O caldo entornou de vez ao longo da tarde diante da informação, apurada pelo Broadcast, de que a despesa com o programa social que ficará fora do teto pode ter seu valor fixado em uma PEC. A equipe econômica trabalharia na contenção de danos, na tentativa de limitar a despesa extrateto a R$ 30 bilhões, enquanto o Palácio do Planalto considerava esse valor ainda "em aberto".
Em uma escalada contínua, o dólar chegou a tocar na casa de R$ 5,61, ao registrar máxima de R$ 5,6123 (+1,66%) logo após à 16 horas. Operadores notavam onda de zeragem de posições à medida que se aproximava o horário do anúncio formal do Auxílio Brasil, às 17 horas.
A febre compradora amainou após o Ministério da Cidadania cancelar o evento de lançamento do auxílio Brasil, com a moeda norte-americana perdendo o fôlego e chegando a ser negociada momentaneamente abaixo da linha de R$ 5,58. Com nova aceleração dos ganhos na reta final dos negócios, o dólar à vista encerrou a sessão em alta de 1,33%, a R$ 5,5938 – maior valor desde de fechamento desde 15 de abril (R$ 5,6281).
Seja qual for o desfecho da proposta, analistas e operadores ouvidos pelo Broadcast são unânimes em afirmar que o governo vai abandonar, mesmo que informalmente, o teto de gastos. As consequências são uma piora das condições financeiras, com a formação de uma espiral negativa para a economia: alta do dólar, deterioração das expectativas de inflação, maior aperto monetário e redução do crescimento.
O sócio e gestor da Galapagos Capital, Sergio Zanini, afirma que a "sinalização do governo é muito negativa" e ressalta que o mercado em nenhum momento trabalhava com a hipótese de um Auxílio Brasil no valor de R$ 400. "O furo parcial do teto é uma preocupação grande. Não é só o que está sendo falado hoje. Existe os risco de execução quando isso for debatido no Congresso", afirma Zanini, chamando a atenção para o fato de que pela primeira vez se viu o presidente da Câmara "falar explicitamente" contra o teto dos gastos.
Para Zanini, tendo em vista o que está sendo proposto com o Auxílio Brasil e os sinais da classe política, já não fará diferença para a precificação dos ativos domésticos se houver novas baixas na equipe econômica e até mesmo a eventual saída de Paulo Guedes do governo, como chegou a ser ventilado em certo momento do dia. "Pode colocar quem você quiser como ministro da Economia que o resultado não vai ser diferente. Entramos em um processo político e eleitoral", diz o gestor da Galapagos.
Diante da deterioração do ambiente fiscal, Zanini diz que o BC tem pouco a fazer, já que um choque de juros poder agravar ainda mais a percepção sobre a dinâmica das contas públicas. "Ele está tentando neutralizar parte relevante dos fluxos de saída com as intervenções. Mas a realidade é que o fundamento econômica está piorando e isso tem impacto no câmbio", diz.
Em evento do Banco JPMorgan, o diretor de Política Econômica do BC, Fabio Kanczuk, disse que as intervenções da autoridade monetário no mercado de câmbio não vão mudar "de maneira nenhuma" e que "o nível do câmbio não importa e nem o impacto nas projeções de inflação". Kanczuk reconheceu que o BC tem dificuldades em entender os motivos por trás da depreciação do real.
Para economista-chefe da Western Asset, Adauto Lima, é difícil neste momento ver um teto para a taxa de câmbio, mesmo com mais altas da taxa Selic e possível aumento das intervenções do Banco Central. Ele nota que a deterioração da política fiscal já está em curso faz algumas meses e que, mesmo com eventual alívio diante de recuos do governo e promessas anteriores de cumprimento do teto, os preços dos ativos domésticos mudavam de patamar.
"Essa questão da despesa que vai ficar fora do teto cria um precedente perigoso. A mensagem é que na dificuldade se muda a regra fiscal. No limite, não há mais regra", diz Lima, lembrando que dinâmica parecida correu ao longo do governo da ex-presidente Dilma Rousseff, com o abandono informal da geração de superávits primários. "Essa perspectiva de piora fiscal mais afeta o câmbio de forma mais permanente. É difícil dizer que há um teto para a taxa, mesmo com o BC tentando amenizar os fluxos."