Estadão

Oposição na Etiópia forma aliança para destituir governo

Nove grupos de oposição da Etiópia, incluindo partidos políticos e grupos armados, anunciaram uma alianç, ontem (5), com o objetivo de derrubar o primeiro-ministro Abiy Ahmed, que venceu o Prêmio Nobel da Paz de 2019, e implementar um governo de transição. Fazem parte da iniciativa a Frente de Libertação do Povo de Tigré (FLPT), que trava uma guerra civil brutal com Abiy há um ano, e o Exército de Libertação Oromo (OLA, na sigla em inglês), que recentemente se aliou à FLPT no conflito.

Ao anunciar a criação da Frente Unida das Forças Federalistas e Confederalistas da Etiópia em Washington, nos EUA, os líderes da aliança disseram que estavam formando um comando para coordenar as ações políticas e militares. Eles disseram que planejam desmantelar o governo de Abiy à força ou por negociações.

"Não há limite para nós. Definitivamente, teremos uma mudança na Etiópia antes que a Etiópia imploda", disse Berhane Gebrechristos, uma autoridade de Tigré e ex-ministro das Relações Exteriores. "Estamos tentando acabar com esta situação terrível na Etiópia, que foi criada sozinha pelo governo de Abiy. O tempo está se esgotando para ele."

Em resposta à formação da aliança, o procurador-geral etíope Gedion Timothewos descartou sua criação, classificando-a como um "truque publicitário" e afirmando que alguns dos grupos envolvidos "não são realmente organizações que têm qualquer força".

Também ontem o Conselho de Segurança da ONU pediu o fim dos combates na Etiópia e o início de negociações sobre um cessar-fogo, expressando preocupação em uma rara declaração sobre a intensificação dos confrontos militares. O conselho ainda solicitou "o fim do discurso de ódio inflamatório e do incitamento à violência e à divisão".

Segundo disse à AP Yohanees Abraha, que faz parte do partido tigré, a aliança quer, após a retirada de Abiy, "começar a conhecer e se comunicar com países, diplomatas e atores internacionais na Etiópia e no exterior". Um porta-voz do OLA, Odaa Tarbii, disse que "é claro que preferimos que haja uma transição pacífica e ordeira com a remoção de Abiy".

Tanto a FLPT como o OLA foram designados como grupos terroristas pelo governo federal após o início do conflito. O OLA é um grupo armado formado por oromos, o maior grupo étnico da Etiópia, do qual Abiy faz parte. Após saudarem a ascensão de Abiy ao poder, após décadas de marginalização, muitos membros da etnia insatisfeitos querem a saída do primeiro-ministro.

Outros grupos na aliança incluem a Frente de Unidade Democrática Revolucionária Afar, Movimento Democrático Agaw, Movimento de Libertação do Povo de Benishangul, Exército de Libertação Popular de Gambella, Movimento Global Kimant pelo Direito e pela Justiça / Partido Democrático de Kimant, Frente de Libertação Nacional de Sidama e Resistência do Estado da Somália.

A guerra civil foi iniciada após Abiy enviar suas tropas à região de Tigré, depois de um ataque das forças da FLPT seguindo meses de tensão entre as duas partes, que governam a região, a uma base federal. O conflito vem se intensificando, alastrando-se para outras regiões desde que os tigrés protagonizaram uma reviravolta impressionante em julho, quando retomaram grande parte do território perdido para o governo federal e seus aliados.

A FLPT governou com forte repreensão a Etiópia por 27 anos, até 2018, quando Abiy – que fazia parte da coalizão liderada pelos tigrés – ser escolhido como premiê.

Nos últimos dias, a FLPT anunciou uma aliança militar com o OLA. Ambos disseram à Reuters que agora estão na cidade de Kemise, na região de Amhara, a 325 km da capital Adis Abeba, e já haviam afirmado que poderiam avançar até a capital. O governo federal acusa os rebeldes de exagerarem seus ganhos, mas vem tomando medidas drásticas nos últimos dias que sugerem o avanço dos rebeldes, convocando a população a pegar em armas, decretando estado de emergência por seis meses e mais recentemente chamando ex-militares para se alistarem.

O conflito levou cerca de 60 mil etíopes a fugirem para o vizinho Sudão, além de ter forçado milhões a saírem de suas casas. Segundo a ONU, que já acusou o governo federal de bloquear a entrada de ajuda humanitária em Tigré, 400 mil pessoas na região estão passando, enquando mais de 5 milhões – o que representa a maior parte da população de Tigré – precisam receber ajuda urgentemente.

Recentemente, com o avanço da guerra, a embaixada dos EUA na Etiópia recomendou a seus cidadãos que estão no país africano a deixá-lo "o mais rápido possível". Outros governos, como o do Reino Unido, da Rússia e do Canadá, já emitiram recomendações semelhantes.

Abiy, que foi reeleito ao cargo de premiê em julho com uma vitória esmagadora – apesar do processo eleitoral ter recebido algumas críticas por não ter sido totalmente livre -, enfrenta há meses pressão da comunidade internacional para levar o conflito para uma negociação formal e garantir o acesso de ajuda humanitária a Tigré.

Na quarta-feira, um relatório produzido em conjunto pela ONU e pela Comissão Etíope de Direitos Humanos (EHRC, na sigla em inglês), um órgão estatal, afirmou que todos os lados do conflito cometeram violações que podem ser consideradas crimes de guerra.

O documento, no entanto, foi criticado por algumas organizações e especialistas por não abordar a proporção das atrocidades cometidas pelos diferentes lados. Desde o início do conflito, diferentes investigações de jornais e organizações internacionais vêm revelando episódios de violações e massacres por todos os lados – muitos deles ignorados pelo relatório -, dos quais a maioria recai sobre milícias da região de Amhara e de tropas da Eritreia, ambas alidas de Abiy.

Também na quarta-feira, Abiy, que venceu o prêmio Nobel da Paz em 2019, prometeu "enterrar os inimigos com nosso sangue".

Os etíopes devem estar dispostos a fazer "sacrifícios" para "salvar" seu país – declarou o primeiro-ministro Abiy Ahmed, no sábado (6), enquanto no norte se intensificam os combates entre as forças do governo e os rebeldes de Tigré, que agora ameaçam avançar para a capital.

"É preciso fazer sacrifícios, mas estes sacrifícios salvarão a Etiópia", tuitou Abiy Ahmed. "Conhecemos provações e obstáculos. Eles nos tornaram mais fortes. Temos mais aliados do que aqueles que se voltaram contra nós. Morrer por nossa soberania, unidade e identidade é uma honra. Não existe Etiópia sem sacrifício", declarou.

Estas declarações surgem na esteira do anúncio da criação de uma aliança entre nove organizações rebeldes de diferentes regiões e etnias da Etiópia, construída em torno da Frente de Libertação do Povo de Tigré (TPLF), que luta contra as forças governamentais há mais de um ano.

Esta "frente unida" pretende "derrubar o regime" de Abiy Ahmed, declarou Berhane Gebre Christos, representante da TPLF, no momento de assinatura desta aliança, em Washington.

No último fim de semana, a TPLF anunciou a tomada de duas cidades estratégicas na região de Amhara, para onde seus combatentes avançaram após recuperarem seu bastião de Tigré em junho.

Na quarta-feira (3), a TPLF afirmou ter chegado à localidade de Kemissie, 325 quilômetros ao norte da capital, Adis Abeba, onde se uniu ao Exército de Libertação Oromo (OLA), grupo armado desta etnia. Ambos não descartam a possibilidade de avançarem para a capital.

Depois de declarar estado de emergência nacional na terça-feira (2), o governo negou qualquer avanço rebelde importante e qualquer ameaça à capital, garantindo que vencerá esta "guerra existencial".

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