Estadão

Bares de SP têm segurança à paisana e até escolta de clientes

Bares e restaurantes que renovaram o centro da cidade antes da pandemia vivem o desafio de atrair clientes para uma região degradada, com roubos de celulares pelas gangues de bicicletas, aumento da população em situação de rua, dispersão da Cracolândia e até semáforos desligados por roubo de fios elétricos. Empresários investem em segurança privada ou até fecham mais cedo. Especialistas destacam que a recuperação envolve ações nas áreas de saúde e urbanismo.

Esse quebra-cabeça se esparrama pelas esquinas. Na Rua General Osório, uma das primeiras a integrar o projeto da Prefeitura de utilização de calçadas como área externa para bares e restaurantes, em 2020, o espaço público é compartilhado entre estabelecimentos e pessoas em situação de rua.

Quando o movimento aumenta, a partir das 18 horas, os comerciantes pedem que os moradores passem para o outro lado da calçada, conforme relata Caio Lima, gerente do JazzB. O interior do bar estava cheio, mas as mesinhas da calçada, quase vazias nesta quinta-feira.

"Temos a aglutinação de uma crise estrutural com o abandono de uma parcela da população e o movimento de recomposição da urbanidade e serviços do centro", diz o urbanista Valter Caldana.

Estabelecimentos abertos recentemente já trazem adaptações a esse contexto. No Lohi, bar de drinques inaugurado em abril dentro do Hotel Selina Aurora, a equipe orienta os clientes a usarem o celular e esperarem o veículo por aplicativo dentro do local.

"Depois da dispersão da Cracolândia, as pessoas ligam antes de virem para saber se está tudo bem", conta o empresário e chef Thiago Maeda.

Bares da Jesuíno Pascoal, ruazinha escondida atrás do prédio da Santa Casa e boa sugestão para um passeio em Santa Cecília, apostam até em seguranças à paisana. Proprietários do Koya 88 e do Bagaceira, aberto no início do ano, prezam pela discrição com agentes que ficam do outro lado da rua, sem o terno preto característico, às vezes de boné, como se fossem clientes habituais. O objetivo é prevenir a atuação da gangue das bicicletas no roubo de celulares.

Endereços históricos também tentam prevenir assaltos. O Bar Brahma dobrou o total de seguranças na esquina da Ipiranga com a São João. Agora são seis homens de preto em cada turno nos dias mais movimentados. "No centro, há sensação de insegurança, mas temos furtos e roubos na cidade inteira", diz o empresário Cairê Aoas.

O jornal O Estado de S. Paulo acompanhou a movimentação deles na noite de quarta-feira.

Quando a empreendedora social Karina Dantas chega em um veículo por aplicativo, o segurança abre a porta do carro. O gesto, que antes era só gentileza, virou um cuidado extra. "A gente vive essa sensação de insegurança, mas não pode ficar presa em casa, principalmente depois de dois anos de isolamento", diz Karina.

A 600 metros dali, no Bar dos Arcos, dentro do Teatro Municipal, os seguranças acompanham o cliente até os estacionamentos da Rua Conselheiro Crispiniano. É o que conta o empresário Facundo Guerra, um dos proprietários. São cem metros.

A medida foi adotada depois que clientes tiveram seus celulares roubados no início do ano. Mas ele ressalta que o problema da região central não é só de segurança. "É um erro tratar como problema de segurança pública aquilo que é um problema de saúde, consequência de uma desigualdade social e uma crise cada vez piores."

Por falta de público, o Paribar, restaurante pertinho da Biblioteca Mário de Andrade, encurtou o horário de funcionamento. De segunda a quinta, o chef e empresário Luiz Campiglia fecha às 17h.

"Acabo fechando porque já não tem gente. As pessoas vão embora mais cedo", diz ele, que deu um ar mais contemporâneo para o endereço de 1949.

A ocupação do local também mudou. Durante a semana, as nove mesas na calçada são pouco utilizadas. O motivo é o aumento da população em situação de rua. "Isso não me assusta, mas as pessoas que vêm de fora têm outra visão", afirma.

<b>Oportunidade</b>

A Casa do Porco, 17ª no The World s 50 Best Restaurants 2021 e referência da revitalização do centro desde 2015, vai além do investimento em segurança privada. A chef Janaína Rueda conta que contratou uma funcionária que vivia em situação de rua em frente ao restaurante.

O nome dela é Amanda Torres, que começou como estoquista. Agora, é cozinheira do Pão do Povo da Rua, projeto social que procura minimizar a fome nas ruas e que tem Janaína como madrinha.

"Ela queria sair da rua, teve uma oportunidade e conseguiu", diz a chef do único restaurante brasileiro no top 50 global. "Não gosto de esconder a realidade. As pessoas que vão à Casa do Porco têm de entender que ali é o nosso lugar. É importante pensar: o que dou em troca para a pessoa que está ali naquela situação?"

Até quem vive na região muda hábitos. O professor de Matemática Artur da Costa, que mora na Praça Marechal Deodoro, passou a usar os veículos por aplicativos para pequenos trajetos, antes feitos a pé. Como da Rua Martim Francisco com a Rua Canuto até a Rua Apa. São três quadras apenas. Ele tem medo de assaltos.

<b>Soluções</b>

Valter Caldana ri diante da pergunta feita pelo jornal O Estado de S. Paulo: "Como recuperar a região central?". "É a pergunta de (R$) 1 milhão", brinca o professor da Universidade Mackenzie.

Ele sugere foco no Minhocão e nos terminais de ônibus. "Uma solução seria bloquear o trânsito no Minhocão, demolindo-o parcialmente. Significaria demolir o trecho São João e parcialmente o trecho Amaral Gurgel, ampliando as áreas de luz e salubridade no chão da cidade."

Já o professor Guilherme Wisnik, da Faculdade de Urbanismo da USP e morador do centro desde 2012, considera essencial resolver a questão da Cracolândia. "Não é problema policial, mas sim de assistência social. Não há como pensar o centro sem recuperar as pessoas do ponto de vista da humanidade e de inserção, com uma lógica de atividades e acompanhamento médico." As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>

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