Estadão

Vivi as ditaduras política e do assédio, diz Vera Fischer

Em uma das apresentações prévias que fez da peça Quando Eu For Mãe Quero Amar Desse Jeito, que chega nesta sexta, 2, ao Teatro Raul Cortez, a atriz Vera Fischer levou um tombo ao entrar em cena – a longa cauda de seu vestido vermelho ficou presa na cortina. "Mamãe, você caiu?", disse o ator Mouhamed Harfouch, sem sair do papel do filho. "Claro! Tô velha e velha cai!", arrematou ela, despertando gargalhada geral.

Próxima dos 71 anos ("Completo em novembro, já não sou mais criancinha", diverte-se), Vera está mais ativa do que nunca – além dessa peça, que está em turnê desde janeiro, ela já tem outro texto para ser encenado, ainda marcando presença em Um Natal Cheio de Graça, produção da Netflix para o fim do ano. "Esse trabalho é meu novo divisor de águas", comenta a atriz, que desfruta de grande sucesso nas redes sociais. "E olha que comprei meu primeiro celular só em 2020."

Uma fase feliz, de liberdade plena, de acordo com o atual momento da feminilidade. "Sou a favor de movimentos como #MeToo, as mulheres têm de denunciar qualquer tipo de violência", conta Vera, cujo talento, aliado a uma beleza estonteante (foi Miss Brasil em 1969), lhe abriu as portas do cinema e da TV, mas a um preço alto: foi sexualmente importunada em praticamente todos os lugares. "Nos anos 1970, vivi a ditadura política e a do assédio. Não podia reclamar, tinha de ser criativa para driblar tanto incômodo", conta ela, que precisou simular estar menstruada para não sentar no colo de um diretor. "Hoje, com redes sociais, teria denunciado muito."

<b>Disputa entre mulheres marca comédia com tabu e final inesperado</b>

Quando foi convidada pelo diretor Tadeu Aguiar para fazer uma leitura da peça escrita por Eduardo Bakr, Quando Eu For Mãe Quero Amar Desse Jeito, a atriz Vera Fischer não se preparou. "Na verdade, Tadeu queria que minhas emoções sobre as cenas fossem autênticas, sem um cuidado prévio", conta ela, cujos suspiros e exclamações convenceram o encenador de que o papel era dela.
"Vera não é uma atriz racional – é instintiva e profundamente dedicada", observa Aguiar. "Respeitosa com a direção. Aberta para todas as propostas. Ela foi indicando um caminho e fui também embarcando na sua instintividade."

Para comemorar seus 55 anos de carreira, Vera interpreta Dulce Carmona, uma mulher de 70 anos que recebe a notícia de que seu único filho, Lauro (Mouhamed Harfouch), vai se casar com uma mulher que ela não conhece, Gardênia (Larissa Maciel). Não será, porém, uma relação pacífica – obcecada em dar ao filho um futuro digno de sua "classe social", a aristocrática Dulce entra em guerra com a candidata a noiva para manter a imagem da família, arranhada por problemas financeiros.

<b>SEM SPOILER</b>

"Lauro vive uma relação sufocante com a mãe e, por isso, tem uma visão mais simples sobre a situação que vive, tentando não se envolver na disputa entre aquelas duas mulheres que, aos poucos, se revelam dois monstros", comenta Mouhamed. De fato, para evitar spoiler e não entregar o final surpreendente dessa ácida comédia, é possível dizer apenas que sogra e nora não têm nenhum escrúpulo para conquistar seus objetivos. "Na verdade, não se trata de um embate entre essas mulheres, pois elas têm um objetivo comum que não é logo percebido por Lauro", completa Larissa.

Ainda sem querer avançar na surpresa da trama, o texto usa a comédia para tratar de temas considerados tabus, como eutanásia.

"A peça coloca uma lente de aumento sobre sentimentos e sensações de cada um dos personagens, o que justifica o exagero sobre os pensamentos, desejos e motivações", conta o autor Eduardo Bakr.

Assim, a condução da história acontece com interpretações bem caracterizadas de cada personagem. Larissa, por exemplo, vive uma mulher fria, calculista, com firmes objetivos. "Eu até mantive o cabelo liso, para reforçar essa imagem", conta a atriz. Já Mouhamed utiliza uma rica linguagem corporal para demonstrar a posição quase sempre aparvalhada de Lauro. "Ele fica apavorado quando está diante da força feminina da mãe e da noiva", comenta o ator, responsável por muitas gargalhadas do público.

Já Vera se vale de seu vozeirão para compor a imponente Dulce Carmona. "Para ela, o marido foi um imbecil e, pior, o filho puxou ao pai", observa a atriz, que nasceu, de fato, para ser uma diva – mantém um porte majestoso, garboso, e cabelos ondulados como as grandes estrelas do cinema dos anos 1960. "No fundo, Dulce sabe que o filho se parece muito com ela e, como sua família antes abastada se torna decadente, ela tem a obsessão de que o filho se case com uma mulher rica."

<b>PERVERSA</b>

À medida que a trama avança, a personagem revela seu perfil de mulher malvada, perversa. "Ela entra em um caminho aterrorizante, o que surpreende a plateia. Nesse momento, uso uma voz mais firme e, como se trata de uma comédia, alterno o tom para ficar mais leve."

Apesar do esforço físico ("Fico com dor no quadril, no joelho, preciso ter um fisioterapeuta sempre por perto"), Vera festeja o momento. "Estou muito feliz em viver uma mulher malvada", diverte-se. "Gosto de botar meus diabos para fora." Ela confessa ainda sua surpresa com o sucesso. "A Disney criou o Vera Vision, personagem para divulgar o Wanda Vision depois que fiquei popular nas redes sociais. Eu não esperava mais isso na minha idade, seria normal para uma garota. Estou no lugar de que gosto."

Quando Eu For Mãe Quero Amar Desse Jeito
Teatro Raul Cortez.
Rua Dr. Plínio Barreto, 285.
6ª e sáb., 21h. Dom., 18h.
R$ 120. Até 29/10.

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