Trump aposta em base política no interior dos EUA

"Nós voltaremos, de alguma forma", reiterou nesta quarta-feira, 20, o ex-presidente americano Donald Trump em seu discurso de despedida. Apesar da promessa, Trump deixou Washington mais fragilizado do que nunca, após a invasão de extremistas ao Capitólio e em meio a um segundo processo de impeachment. Em regiões rurais de Estados conservadores, resta a ele uma base republicana fiel para organizar um retorno, mas se 17 senadores de seu partido apoiarem sua condenação, ele pode perder o direito a se candidatar em 2024.

A debilidade de Trump entre o establishment do Partido Republicano ficou mais evidente após Mitch McConnell, que deixou a liderança da maioria republicana no Senado ontem, admitir que o ex-presidente incitou a invasão ao Capitólio no início deste mês. "A multidão foi alimentada por mentiras. Eles foram provocados pelo presidente e por outras pessoas poderosas", disse na véspera da posse de Joe Biden.

O vice-presidente de Trump, Mike Pence, também demonstrou certa ruptura com o ex-presidente ao participar da cerimônia de posse de Biden, a que Trump se recusou a ir.

"No governo Trump, o Partido Republicano aceitou algumas excentricidades ou medidas arbitrárias porque ele trazia votos para o partido. Havia um casamento de conveniência. Será que o partido tem interesse em manter essa relação? Porque vai ser difícil Trump continuar desfrutando de popularidade nos próximos quatro anos", diz o ex-embaixador do Brasil nos EUA Sergio Amaral.

Para Amaral, existe a possibilidade de a popularidade de Trump recuar, dado que, fora da Casa Branca, será mais difícil atrair multidões a comícios. Também prejudica Trump o fato de sua conta no Twitter ter sido banida por, segundo a empresa, apresentar "risco de mais incitação à violência". A rede social era um dos principais canais de comunicação com seus apoiadores. Pesquisas apontam que a popularidade do ex-presidente já está em queda e atingiu 34% neste mês – a média no mandato foi de 41%.

Antes mesmo da posse de Biden, deputados republicanos já haviam dado as costas a Trump. Dez deles votaram, neste mês, pela abertura do processo de impeachment. "Agora, Trump está muito ferido. Isso não significa que ele não possa dar a volta por cima. A ideia que ele representa, o populismo radical, continua aí. As bases da polarização continuam firmes e esperaria que, nos próximos meses, ele começasse a se reorganizar para manter alguma influência dentro do partido", diz o professor Eduardo Mello, coordenador do curso de relações internacionais da FGV.

Hoje, a influência política emerge de regiões do país onde reinam ideias nacionalistas e de supremacia branca, onde vivem americanos que se acham prejudicados economicamente pela globalização, explica Amaral.

O presidente dos republicanos no Condado de Nye, em Nevada, Chris Zimmerman, por exemplo, é um dos que continuam apoiando Trump, apesar do caso do Capitólio. Ele postou recentemente uma mensagem acusando Mike Pence de traição e qualificando a invasão como um "evento ensaiado, feito para culpar os apoiadores de Trump".

Segundo Mello, da FGV, entre 10% e 20% dos senadores republicanos e entre 20% e 30% dos deputados continuam alinhados ao trumpismo. São políticos dessas regiões onde o nacionalismo é forte e, ainda que não aprovem Trump, não o abandonam. Se o fizerem, perdem votos.

Para essa base, Trump também terá sua importância nos próximos anos. O ex-presidente poderá se tornar um fiel da balança quando republicanos estiverem tendendo a cooperar com os democratas na adoção de políticas que não agradam aos trumpistas, de acordo com Mello. "Ele poderá organizar a base para se opor aos republicanos moderados."

Mello não acredita que o "retorno" de Trump ocorra concorrendo à presidência, pois o risco seria alto. Ele diz, porém, que poderia ser trabalhando para eleger pessoas da família a outros cargos, como as filhas Ivanka e Lara. As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>

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