Estadão

Falta de liberdades e deterioração econômica inflamam protestos no Irã

Os protestos contra a morte da curda Mahsa Amini, de 22 anos, no Irã, completaram um mês nesta semana com a repressão e a crise econômica turbinando os maiores atos contra o regime teocrático xiita em anos. Os protestos já deixaram ao menos 240 mortos e 8 mil detidos, segundo a Anistia Internacional.

Um ponto crucial para a piora econômica do Irã foi o colapso do acordo nuclear com os EUA, no governo de Donald Trump. As sanções que se seguiram ao fim do pacto agravaram sensivelmente os problemas econômicos do país.

O PIB caiu pela metade entre 2017 e 2020. A inflação anual, que em 2016 tinha recuado abaixo de 10%, voltou a subir e fechou 2021 com uma alta de 43,4%, segundo o Banco Central do Irã. Nos últimos cinco anos, o valor da moeda iraniana, o rial, caiu quase 90%. Em 2017, um dólar americano no mercado aberto valia 40 mil riais. Hoje, vale mais de 330 mil riais.

"Muitos iranianos estão consumindo menos carne, comprando menos comida e se preocupando com o custo de alimentos básicos", disse Esfyandar Batmanghlidj, do Conselho Europeu de Relações Exteriores. "Embora o Irã não esteja enfrentando uma crise de fome, a perda de poder de compra é uma espécie de crise humanitária."

Para o professor da Universidade de Londres, Karabekir Akkoyunlu, especialista em Oriente Médio, os protestos são resultado de uma frustração coletiva causada pela falta das liberdades individuais e deterioração econômica. Esses dois fatores, disse ele, estão intimamente relacionados.

Isso explica por que os atos não diminuíram com a repressão e por que mais setores do país passaram a aderir a eles nas últimas semanas. "Depois de anos tentando mudar o sistema por dentro, muitos iranianos desistiram da ideia de reforma", afirmou Akkoyunlu.

Na semana passada, por exemplo, trabalhadores do setor petrolífero entraram em greve e profissionais liberais, como médicos e advogados, começaram a fazer críticas abertas ao regime. Universidades e setores comerciais do país também estão parados.

<b>GUERRA</b>

Desde que os protestos começaram, em 16 de setembro, Samira, uma iraniana que reside na Itália há mais de uma década, tem a sensação de que o país em que ela nasceu vive uma guerra. "É uma coisa inacreditável o que estão fazendo. Eles matam os jovens nas ruas. Espancam as mulheres até a morte. Estupram prisioneiros", relatou ao <b>Estadão</b> antes de viajar para Teerã para encontrar parentes. "Agora não é repressão, é uma guerra."

Ela e o marido, Ali, (ambos pediram para ocultar os sobrenomes por medo de represália) apontam algumas diferenças neste movimento em relação aos protestos contra o custo de vida que abalaram o país entre 2017 e 2018.

Embora a crise econômica seja comum nos dois casos, o cenário atual é pior e o desespero das pessoas, crescente. "O povo iraniano está cheio de não ter nenhum direito nem liberdades. Acrescente-se a isso os problemas econômicos que as pessoas ainda têm de enfrentar", disse Samira.

Segundo o casal, a participação dos jovens nos protestos também é maior do que nos anteriores. Além disso, os homens têm se unido às mulheres em suas demandas, algo raro numa sociedade como a do Irã.

"Nos últimos quatro anos, houve manifestações, mas desta vez elas são diferentes. Agora, mais mulheres estão participando e demandando sua liberdade. Além disso, os jovens estão mais ativos em comparação com anos anteriores", disse Ali. "Mais da metade dos manifestantes são mulheres jovens, entre 17 e 25 anos, e o restante são meninos jovens que as apoiam."

Especialistas veem com otimismo a adesão dos jovens às manifestações. "O fato de os homens terem se unido às mulheres na luta pela igualdade, e de que os jovens tenham dado as mãos para criar um amanhã melhor, é o motivo do número notável de manifestantes nas cidades de todo o país", disse Abbas Milani, diretor de estudos iranianos da Universidade Stanford, nos EUA.

<b>CURDOS</b>

Outra questão que diferencia os atos deste ano está relacionada aos curdos – etnia à qual Amini fazia parte e é historicamente marginalizada no Irã e nos países vizinhos onde são minoria. "Os protestos foram muito mais intensos nas cidades curdas e encontraram uma resposta violenta do Estado. Sua escalada pode ter efeitos no Iraque e na Turquia", acrescentou Akkoyunlu.

Desde a morte de Amini, presa pela polícia moral do Irã por "não usar o véu corretamente sobre os cabelos", milhares de mulheres foram às ruas e queimaram as vestes numa das maiores demonstrações de desafio ao governo islâmico e reivindicação de mais liberdades individuais. Em resposta, forças de segurança atiraram à luz do dia contra iranianos. Mas a violência não deteve os protestos.

<b>PRESSÃO</b>

Para Akkoyunlu, as manifestações das últimas décadas, apesar de suprimidas, forjaram o contexto sociopolítico atual – menos reformista e mais radical, demandando a queda do regime islâmico.

"Como o processo democrático foi suprimido (nos protestos anteriores), a legitimidade do regime sofreu um golpe", disse. "No passado, as demandas podiam ser canalizadas por meio de eleições. Isso proporcionou legitimidade necessária ao sistema. Mas, como os sucessivos governos falharam em cumprir as promessas básicas da revolução de 1979, a insatisfação cresceu."

As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>

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