Secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), bispo dom Joel Portella Amado, reafirmou posição contra aborto. O tema voltou ao debate após o caso da menina de 10 anos que foi estuprada pelo tio e engravidou. O procedimento para interrupção da gestação foi realizado no Recife após recusa de um hospital no Espírito Santo, onde ocorreu o crime.
<b>Qual é a posição da Igreja Católica, pela sua CNBB, neste caso da criança que foi abusada e agora submetida a uma cirurgia de aborto, com decisão judicial?</b>
Como já expressado várias vezes, a Igreja lamenta profundamente todo o ocorrido. A Igreja é sempre a favor da vida e não pode aprovar forma alguma de violência.
<b>Por essa posição, ela foi transformada em uma pecadora para o resto da vida?</b>
Não sei de onde veio essa interpretação. Com certeza, não é da Igreja. Para todas as pessoas existe sempre a chance de se redimir, basta querer. Cada pessoa responde pelo seu grau de consciência e uma menina agora com dez anos não pode ser tratada do mesmo jeito que adultos.
<b>A Igreja não corre o risco de se isolar das comunidades, uma vez que o problema gravíssimo do abuso é real e presente entre a população?</b>
A Igreja está próxima às pessoas, em suas alegrias e especialmente em suas dores, em suas vulnerabilidades. Basta prestar atenção a tudo que é feito em termos de solidariedade e defesa dos direitos humanos. O problema do abuso é, como indicado na pergunta, gravíssimo. Essa gravidade exige envolvimento de toda a sociedade, no apoio às famílias, no empenho, por exemplo, para que haja educação acessível a todas as crianças, direito à alimentação, saúde, afeto etc. A questão, portanto, não é da Igreja, mas de um contexto de omissão, que atinge a todos, indistintamente.
<b>A gente vê discursos agressivos contra o aborto, como o da deputada Flordelis, do Rio, que agora é acusada na Justiça de mandar matar o próprio marido. O sr. não teme que a Igreja acabe sendo comparada e até associada ao discurso dessas pessoas?</b>
Essa é uma situação específica, que não pode ser comparada a nenhuma outra. A generalização é um defeito do ser humano e das sociedades, defeito que necessita ser vencido. Situações complexas exigem prudência na avaliação, paciência na busca pela verdade e discernimento entre os fatos.
<b>A Igreja não teria de ser mais tolerante e compreensiva para com a realidade do mundo de seus fiéis?</b>
A Igreja se orienta pela caridade. Isso, porém, não significa abrir mão dos valores maiores, como é o caso da vida, da vida das crianças e dos demais vulneráveis. Existe uma antiga frase que articula caridade com verdade. Tolerar, portanto, não pode significar aceitar situações inaceitáveis. Não se resolvem problemas estruturais com respostas imediatistas.
<b>Há outros tipos de abusos contra crianças e jovens que preocupam o clero atualmente no Brasil?</b>
Todos nós conhecemos as inúmeras formas de agressão às crianças. Há poucos dias, a CNBB foi procurada para participar, em outubro, de campanha de conscientização a respeito do trabalho infantil. E vamos participar junto com outras entidades. Além disso, a fome, a ausência de condições escolares, a inexistência de atendimento de saúde são formas cotidianas de violência sofridas pelas crianças e pela maior parte da população brasileira. Fico com a impressão de que, por serem formas crônicas de violência, situações cotidianas, já nos acostumamos com elas e não são mais vistas com violências. Nós acabamos só nos assustando quando nos deparamos com situações extremamente ruins, como é o caso da violência sofrida pela menina de S. Mateus. Fico ainda mais assustado se, daqui a alguns dias, outra notícia tomar o lugar dessa e, como diz certa música brasileira, fecharmos a "janela de frente para o crime" e voltamos para dormir tranquilamente.
<b>Qual é a posição da CNBB sobre a pandemia, que já tem quase 120 mil mortos no País. Como o sr. avalia a posição do governo Bolsonaro?</b>
Como dito antes, a Igreja se preocupa com todas as formas de agressão à vida, dentre as quais a que diz respeito às vítimas da covid-19. Preocupa-se, por certo, com as que morreram, mas também com as que não encontram atendimento nos hospitais lotados, com a corrupção na saúde e tantas outras formas de agressão à vida. Mesmo que eu esteja sendo repetitivo, nunca é demais dizer que todas as formas de agressão à vida incomodam. A CNBB já se manifestou a respeito da atuação do atual governo federal. Ela o fez ao se tornar uma das entidades construtoras do Pacto pela Vida e pelo Brasil, com mais cinco outras grandes instituições brasileiras e posteriormente subscrito por aproximadamente uma centena de outras instituições.
<b>No caso específico da criança violentada no Espírito Santo, qual é o caminho que a Igreja prega para ela e a família neste caso? Haverá acolhimento?</b>
Acolhimento sempre houve e haverá, pois isso faz parte da identidade da Igreja. Não é um aspecto secundário. Considero estranho esse tipo de discurso em torno do banimento, da expulsão, da exclusão de quem quer que seja, ainda mais de uma criança que acima de tudo é vítima. É claro que acolhimento implica, entre outros aspectos, mudança de vida e onde isso for necessário, a Igreja acolherá ajudando a transformar a vida. Especificamente quanto à menina mencionada na pergunta, lembro que, no último dia 19, o presidente da CNBB, D. Walmor Oliveira de Azevedo, enviou ofício à Promotoria da Infância e da Juventude de São Mateus, por meio do qual afirmou, conforme transcrevo do próprio ofício, que as "redes (católicas) de instituição de ensino estão à disposição para, graciosamente, oferecer educação integral a essa menina, garantindo-lhe preservação da identidade, acompanhamento psicopedagógico especializado, no horizonte do humanismo cristão". Além disso, ofereceu ainda apoio à família no que for necessário.