Os investidores estrangeiros estão em franca retirada de recursos da B3 em agosto, que pode ser o pior mês de 2023 em termos de fluxo de capital externo. Sem ter registrado um único pregão de alta do Ibovespa até agora, a Bolsa brasileira contabilizava saída líquida de R$ 7,378 bilhões nesse segmento até a última segunda-feira, dia 14. Os números, embora parciais, já anulam todos os ingressos de julho e superam com folga os R$ 4,28 bilhões retirados em maio, até agora o mês de maior saldo negativo no ano.
Na avaliação de analistas ouvidos pelo <i>Broadcast</i> (sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado), as justificativas para esse comportamento não estão na má fama do mês de agosto, mas em uma conjunção de fatores internos e externos que vêm influenciando o mercado há mais tempo. A notícia negativa é que grande parte dos motivos para esse movimento vem do cenário internacional.
É impossível analisar as onze quedas consecutivas do Ibovespa em agosto sem mencionar a China, dada a importância das commodities no mercado doméstico – Vale, por exemplo, é a ação com maior peso no índice (participação de 12,314%). "Enquanto havia entusiasmo com a China, o Brasil também andava muito bem. Hoje, o cenário é bastante negativo na segunda maior economia do mundo e os investidores buscam ativos de menor risco", afirma em uma primeira análise João Piccioni, analista da Empiricus Research.
Para Andre Fernandes, head de renda variável e sócio da A7 Capital, parte da saída dos investidores externos está ligada à percepção de aversão ao risco e de que o Federal Reserve deve voltar a aumentar os juros nos Estados Unidos, ao passo que o BC brasileiro deverá manter cortes mais moderados na Selic.
"O estrangeiro quando entra no Brasil, o atrativo é o carry-trade. Ele consegue se beneficiar muito desse diferencial de juros entre Brasil e EUA. Quando cai esse diferencial, o estrangeiro começa a tentar tirar um pouco o pé do país emergente e fugir para a segurança", diz Fernandes.
Para Marcelo Boragini, sócio e especialista em renda variável da Davos Investimentos, a saída dos investidores estrangeiros acende um sinal amarelo, mas ainda não é assustadora, pois o spread no carry-trade continua "ok".
Contudo, "o investidor estrangeiro tem sido o grande diferencial para a nossa Bolsa, porque o Brasil tem registrado resgate de fundos de investimentos e multimercado em todos os meses do ano. Só em julho é que os fundos de investimento registraram saldo positivo", avalia Flávio Conde, analista da Levante Investimentos.
A indústria de fundos de investimento acumula perdas de R$ 124,9 bilhões e a de fundos multimercado somam resgate de R$ 61,1 bilhões em 2023, com dados até julho da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).
Para Piccioni, da Empiricus, há ainda um fator técnico contribuindo para o escoamento do capital externo na Bolsa brasileira: o aumento das emissões de títulos por parte do Tesouro dos Estados Unidos. Para ajudar a fechar as contas nos EUA, o Tesouro anunciou no dia 2 a ampliação da emissão de dívida para arrecadar fundos de investidores privados. A nova emissão representa um aumento de US$ 7 bilhões, em comparação ao total de emissão de US$ 96 bilhões dos mesmos títulos anunciados em maio.
O anúncio ocorreu um dia depois de a agência de classificação de risco Fitch ter anunciado o rebaixamento da classificação de crédito do governo americano, justificando a expectativa de deterioração fiscal à frente. Nesse ambiente, o investidor também passou a exigir maior remuneração para carregar os papéis.
"Os leilões do Tesouro americano acabam sugando a liquidez no mundo todo, e o Brasil não está blindado contra essa busca por segurança. Esse movimento de migração está acontecendo até mesmo nas bolsas americanas", afirma o analista da Empiricus.
Para se ter uma ideia, na manhã da quarta-feira, 16, o cupom cambial – indicador que mostra a remuneração em dólares de investimentos feitos no Brasil – apontava um rendimento de aproximadamente 5,2% ao ano para aplicações com duração de um mês no País. A taxa é menor que os juros oferecidos por títulos do Tesouro dos Estados Unidos com a mesma duração – de 5,53% ao ano, segundo dados divulgados pelo governo americano.
Conde, da Levante, diz ainda que o investidor estrangeiro conseguiu prever em junho e julho alguns fatores que contribuem para a tese brasileira: o Banco Central esperou a inflação baixar para começar o início de corte da Selic; o arcabouço fiscal foi aprovado no Congresso, e a reforma tributária, na Câmara. "A venda pelos investidores estrangeiros é por pura realização de lucros, por ter conseguido antecipar bem a alta da Bolsa. Não tem nada a ver com deixar de acreditar no arcabouço fiscal ou na reforma tributária por aqui", afirma.