A indicação do desembargador Kassio Nunes Marques para o Supremo Tribunal Federal (STF) causou insatisfação, segundo mensagens publicadas em grupos bolsonaristas do WhatsApp, e quebrou o silêncio habitual diante das polêmicas envolvendo o presidente Jair Bolsonaro. A conclusão é do pesquisador David Nemer, da Universidade da Virgínia, nos EUA, que monitora a atuação de bolsonaristas no aplicativo de troca de mensagens desde 2017. Segundo Nemer, foi possível identificar uma série de críticas nos grupos, principalmente após a publicação de notícias sobre inconsistências no currículo de Marques.
O pesquisador notou que foram compartilhadas, nos últimos dias, notícias sobre suspeitas de cursos não realizados por Marques e sobre a dissertação de mestrado que tem trechos idênticos a passagens de artigos de outro advogado. Como o <i>Estadão</i> mostrou, a Universidade de La Coruña, na Espanha, negou a existência de um "Postgrado en Contratación Pública", informado pelo magistrado em seu currículo entregue ao Tribunal Regional Federal da 1ª. Região (TRF-1), onde atua desde 2011. Em resposta, o desembargador disse que houve um erro de tradução na hora de montar o currículo. Além disso, cerca de 13% da dissertação que Marques entregou à Universidade Autónoma de Lisboa, em Portugal, é igual a trechos de artigos publicados, antes, pelo advogado Saul Tourinho Leal, sem qualquer referência. Tanto Marques quanto Leal negam o plágio e alegam que, embora haja "coincidências" entre os textos, as conclusões são diferentes.
De acordo com Nemer, o link de um site que citou reportagem do <i>Estadão</i> sobre o currículo circulou em pelo menos 12 grupos. Também houve reproduções de um texto intitulado "País de falsários? Kassio Nunes mentiu sobre curso e plagiou dissertação", publicado por um site conservador. Além disso, um texto do site bolsonarista Brasil Sem Medo exibia um questionamento: "como pode alguém que conseguiu o doutorado há apenas 10 dias já ter no currículo dois pós-doutorados?".
"Em um espaço em que Bolsonaro é intocável, o presidente começa a receber críticas como antes não se via. Isso abre espaço para que ele possa ser ainda mais questionado. Uma vez que você se acostuma a um posicionamento crítico, ele pode voltar mais forte na próxima vez. Antes eles ficavam em silêncio", afirmou o pesquisador.
Em um grupo denominado "Bolsonaro Eleito", um integrante chamou a escolha de Marques de "o pior erro de Bolsonaro". No mesmo grupo, outra postagem dizia que um site que o autor da mensagem considera "progressista" (Diário do Centro do Mundo) estava defendendo Marques e que isso era "preocupante".
Os apoiadores, no entanto, afirmaram em diversas postagens que o presidente mostrou ter razão em outros momentos em que foi questionado. Os exemplos foram a indicação de Augusto Aras para a Procuradoria-Geral da República, em setembro do ano passado, e a saída de Sérgio Moro do Ministério da Justiça, em abril. Também alegaram que Bolsonaro não poderia indicar um conservador radical, pois o Senado não aprovaria. Desde 1894, os senadores aprovaram todos os indicados para o Supremo.
Um vídeo do YouTube, checado pela reportagem, denota a preocupação dos bolsonaristas com o estrago em potencial da polêmica do currículo. "Sabe essas pessoas que estão falando que a escolha do presidente foi equivocada, que estão decepcionadas? São tantas falácias e mentiras que saem na imprensa que acabam realmente interferindo. O Kassio Nunes acabou de explicar mais uma mentira que foi contada contra ele, que ele mentiu em seu currículo", diz o autor do vídeo.
<b>Questionamentos</b>
Antes mesmo da polêmica do currículo, porém, já havia questionamentos a Marques, por parte de bolsonaristas que esperavam um ministro "terrivelmente evangélico" no STF, ou simplesmente conservador. Outra parte se incomodou com notícias sobre ligações de Marques com o Centrão e com a esquerda.
Segundo Nemer, foram os evangélicos e os blogueiros da ala mais radical bolsonarista que impulsionaram as críticas a Marques. O professor havia feito um levantamento em 75 grupos no dia 5, três dias após Bolsonaro indicar Marques ao STF. Ele identificou 132 mensagens críticas à escolha – como a de que Nunes seria esquerdista, teria votado contra a extradição de Cesare Battisti e liberou a compra de lagostas para os eventos de ministros da corte. Outras 151 criticavam a escolha por não ser Nunes "terrivelmente evangélico". Nemer identificou até mensagens de integrantes que demonstram mais simpatia a Sérgio Moro, ex-ministro da Justiça, do que ao nome indicado por Bolsonaro ao STF. "Pelo menos não é comunista", disse um usuário.
<b>Espaço aberto para críticas</b>
Em entrevista ao <i>Estadão</i>, o pesquisador David Nemer falou sobre as reações de bolsonaristas aos temas envolvendo a indicação de Kassio Marques.
<b>Como foi a reação nos grupos quando surgiram as suspeitas sobre o currículo do desembargador Kassio Marques?</b>
Os questionamentos que vieram no dia da indicação já tinham diminuído. O discurso era de vamos ter paciência e acreditar no presidente. Mas, com o tema do currículo e suspeita de plágio na imprensa, os sites bolsonaristas começaram a copiar essas matérias e compartilhar nesses grupos. E isso reacendeu as discussões. Aí, já não era mais a reclamação de que ele seria comunista e permitiu lagosta para o Supremo, mas que ele pode ter cometido plágio, e isso é inaceitável. Foi assim que voltou a crítica ao indicado.
<b>Bolsonaro não entrou na polêmica e mantém apoio ao desembargador. Isso causa impacto nos grupos?</b>
O WhatsApp bolsonarista não fica muito preso a uma coisa só, principalmente se Bolsonaro não focar nessa coisa. O Bolsonaro não está querendo discutir o Kassio Marques porque ele sabe que é polêmico. Essa questão é quase inédita. Por isso que, quando eu falei que houve um ressentimento em relação ao (Sergio) Moro, com pessoas perguntando se ele de repente não seria melhor, isso não é um movimento dentro do WhatsApp bolsonarista, é uma coisa que antes não existia. Então, por mais que não seja representativo de um movimento, é um sinal de que se abre um espaço para críticas a Bolsonaro.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>