O Ministério Público Federal entrou uma ação civil pública para que a Superintendência do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) em São Paulo seja proibida de colocar em prática o afrouxamento regulatório promovido pelo Ministério do Meio Ambiente cancelando sanções ambientais com base em despacho assinado pelo chefe da pasta Ricardo Salles em abril que anistiava desmatadores da Mata Atlântica. Segundo a Procuradoria, embora o despacho da pasta tenha sido formalmente revogado, as diretrizes que ele fixou ainda podem gerar danos no pouco que resta da mata nativa.
O despacho em questão permitia o reconhecimento de propriedades consolidadas na Mata Atlântica até 22 de julho de 2008, invalidando interdições, autos de infração e outras punições eventualmente aplicadas pelo Ibama aos donos das unidades rurais estabelecidas antes dessa data. A pretexto de respeitar o Código Florestal (Lei 12.651/2012), a medida ignorou os parâmetros de proteção previstos na Lei da Mata Atlântica (Lei 11.428/2006), que, apesar de anteriores à legislação aprovada em 2012, mantêm-se em vigor devido a seu escopo mais específico, diz a Procuradoria.
Após a publicação do despacho a Câmara de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural do MPF enviou ao Ibama recomendações em vários estados para que desconsiderasse as diretrizes previstas no texto. A Procuradoria aponta que em resposta o órgão se limitou a indicar que centralizaria a análise das requisições no gabinete de sua presidência, em Brasília, sem manifestar até agora o acatamento dos pedidos.
Na ação civil pública, os procuradores indicam que, apesar de o Ministério do Meio suspender a vigência do despacho até o julgamento de uma ação que questionou o mesmo, as diretrizes estabelecidas no documento não foram anuladas definitivamente. Além disso, o MPF diz que o texto não foi substituído por outro que reconhecesse expressamente a validade da Lei da Mata Atlântica e assim, na prática, permaneriam as brechas para a interpretação equivocada da legislação.
"O cumprimento e a aplicação do entendimento contido no despacho nº 4.410/2020, mesmo com sua revogação, trazem como consequência o risco iminente do cancelamento indevido, no Estado de São Paulo, de centenas de autos de infração ambiental e termos de embargos lavrados a partir da constatação de supressões, cortes e intervenções danosas e não autorizadas, em Áreas de Preservação Permanente (em especial nas margens de cursos hídricos) situadas no âmbito de abrangência do bioma Mata Atlântica, assim como na abstenção indevida da tomada de providência e do regular exercício do poder de polícia em relação a esses desmatamentos ilegais", disse o MPF na ação.
Segundo a Procuradoria, a aplicação do entendimento do despacho também coloca em risco diversas recuperações ambientais de Áreas de Preservação Permanente, no bioma Mata Atlântica, que têm sido efetuadas de modo voluntário ou por meio de cobrança absolutamente legal do próprio Ibama.
Além de ajuizar a ação, o MPF informou que instaurou um inquérito civil para investigar as atividades de fiscalização do Ibama em São Paulo. O objetivo é verificar se o despacho do Ministério do Meio Ambiente tem se aplicado na prática e se, mesmo após a revogação do documento, o órgão vem anulando sanções ambientais com base nas diretrizes expedidas pela pasta.
<b>COM A PALAVRA, O IBAMA</b>
Até a publicação desta matéria, a reportagem buscou contato com o órgão, mas sem sucesso. O espaço permanece aberto a manifestações.