A tese dos "mandatos cruzados", usada pela defesa de Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) para manter o foro privilegiado no caso das "rachadinhas" – cujos fatos investigados são anteriores ao mandato de senador -, divide as duas turmas do Supremo Tribunal Federal. Enquanto na Primeira Turma o entendimento já foi rechaçado em julgamentos anteriores, na Segunda, que vai apreciar o caso, há precedente que pode ajudar o senador em sua tentativa de escapar da primeira instância – onde a investigação estaria nas mãos do juiz Flávio Itabaiana, que tem fama de "punitivista".
Embora a Corte já tenha restringido, em 2018, o foro a políticos para crimes cometidos no exercício do mandato e em função do cargo, os magistrados ainda precisam definir o que internamente tem sido chamado de "pontas soltas" da decisão. Uma delas diz respeito à situação de parlamentar que deixa de ocupar o cargo e, na sequência, assume outro.
É a situação, por exemplo, dos deputados federais Gleisi Hoffmann (PT-PR) e Aécio Neves (PSDB-MG), que trocaram o Senado pela Câmara, e de Flávio, que emendou o cargo de deputado estadual com o de senador. Essa condição levanta a seguinte discussão: quando o crime investigado diz respeito ao mandato anterior, o político que mudou de função pública segue tendo direito ao foro daquele cargo antigo?
Para o Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ), a resposta foi "sim", ao garantir foro a Flávio nas investigações sobre suposto esquema de "rachadinhas" (devolução de parte dos salários de servidores) na Assembleia Legislativa do Rio. Pela decisão, Flávio será julgado pelo Órgão Especial do TJ, onde os deputados estaduais do Rio têm foro, ainda que o parlamentar não ocupe mais esse cargo. Em resposta ao Supremo, o TJ-RJ alegou que a decisão não é "absurda, inadequada, desrespeitosa ou ofensiva à jurisprudência consagrada do Supremo Tribunal Federal".
Se Flávio fosse julgado pela Primeira Turma, no entanto, as chances de garantir o foro seriam praticamente nulas, avaliam integrantes do STF ouvidos reservadamente pela reportagem. Há uma série de decisões e julgamentos que rechaçam a tese da manutenção do foro no caso dos "mandatos cruzados" nesse colegiado, composto pelos ministros Luiz Fux, Marco Aurélio Mello, Rosa Weber, Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso. Na Segunda Turma, formada pelos ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Edson Fachin e Celso de Mello, o cenário é mais favorável.
<b>Precedente</b>
No caso de Flávio foi usado como precedente um julgamento da Segunda Turma que beneficiou Gleisi, mantendo a investigação no STF, mesmo após a petista deixar o Senado e assumir o cargo na Câmara dos Deputados. A situação dela, no entanto, tem uma diferença: tanto o atual cargo quanto o antigo possuem foro no Supremo. No caso de Flávio, o foro do atual cargo (senador) é no STF, mas o da função antiga (deputado estadual) é no TJ-RJ.
Integrante da Primeira Turma, o ministro Marco Aurélio Mello enviou no ano passado para a primeira instância um inquérito que investiga Aécio. Na avaliação dele, o caso não se enquadra no novo alcance do foro porque diz respeito ao cargo anterior, não ao atual. "A prerrogativa já contraria o princípio do tratamento igualitário. A interpretação há de ser estrita", disse o ministro.
O <b>Estadão</b> apurou que integrantes do STF já discutem nos bastidores a possibilidade de, no julgamento de Flávio, algum ministro pedir para que o caso seja levado ao plenário, o que reduz as chances de Flávio.
Para o vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, há diversas situações que "não foram ainda pacificadas pelo Supremo Tribunal Federal". Foi essa a posição da PGR em parecer enviado no mês passado ao STF, ao defender a rejeição de uma ação contra o foro de Flávio.
A defesa de Flávio disse que é saudável para o País "que os entendimentos sobre questões jurídicas relevantes sejam sempre uniformizados". "O STF já tocou no assunto, mas, como Corte, os ministros nunca decidiram a controvérsia. Somente as Turmas possuem decisões a esse respeito e, ainda assim, conflitantes", afirmou o advogado Rodrigo Roca.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>