A maior parte dos clubes brasileiros decidiu apelar para a redução de salário dos seus atletas como forma de evitar uma crise financeira ainda maior em razão do novo coronavírus. O problema, porém, é que as negociações para diminuição da folha salarial foram feitas de forma polêmica e, em alguns casos, elas podem também ter sido realizadas de forma ilegal, de modo a resultar em processos trabalhistas e até perda de jogador na justiça de forma gratuita.
Para saber os riscos que os clubes correm nesse sentido, o Estadão ouviu advogados e o Sindicato dos Atletas de São Paulo. De modo geral, a visão é que os dirigentes deixaram diversas brechas jurídicas que podem acarretar em processos trabalhistas.
Existem dois pontos que podem causar problemas para os clubes. A redução dos direitos de imagem abre brecha para processos trabalhistas. Os clubes que reduziram em mais de 25% também podem ter complicações jurídicas pelo fato de o acordo não ter sido feito pelo Sindicato. A MP de Bolsonaro diz que o empregador pode fazer acordo individual com o funcionário para reduzir em mais de 25% se o salário dele for igual ou inferior a R$ 3.135,00 ou se o funcionário tiver diploma de nível superior e receber salário mensal igual ou superior a R$ 12.202,12, valor que representa duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social. Caso a redução tenha sido de 25%, a negociação pode ser feita individualmente.
Ou seja, a negociação com atletas que tiveram redução acima de 25% do salário e que recebem mensalmente R$ 12.202,12 pode não ter validade. "O ideal para a redução salarial seria uma negociação acertada com o sindicato, mas sabemos que isso é uma utopia no futebol brasileiro, infelizmente", disse Eduardo Carlezzo, advogado especializado em direito desportivo.
O Estadão apurou que nenhum clube paulista entrou em contato com o Sindicato dos Atletas do Estado de São Paulo para negociar a redução. "Sim, infelizmente não participamos desse acordo e isso é ruim para todos os envolvidos, pois dessa maneira esses acordos não são válidos", explicou Guilherme Martorelli, advogado do sindicato.
A maioria dos clubes informou que reduziu em 25% o salário dos atletas a partir de abril. O São Paulo cortou em 50% (informação não confirmada pelo clube) e seria um dos times que podem ter problemas futuro. O Estadão conversou com pessoas ligadas a atletas de outras agremiações e eles confirmaram que o time tricolor não é o único que fez redução acima dos 25%.
A redução sem valor legal significa que o clube está pagando menos do que deveria aos jogadores neste período. "Não é porque estamos em uma pandemia que o clube pode reduzir salário. É preciso comprovar que não tem condições de arcar com o salário dos atletas e isso precisa ser bem justificado", explica Leonardo Andreotti, advogado e presidente do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo.
De acordo com a Lei Pelé, se o clube passar três meses sem pagar o salário total ou parcial, o atleta poderá entrar na Justiça e pedir rescisão contratual. "Reduções não válidas são interpretadas como mera falta de pagamento de salário. Então, o atleta pode solicitar a rescisão indireta do contrato, uma vez que a Lei 9.615/98 determina que o não pagamento dos salários pelo período de três meses ou mais, dá ao atleta o direito de requerer a rescisão", diz Martorelli. "Os atletas podem alegar que não houve acordo para a redução e buscar sua liberação pela via judicial devido ao pagamento parcial do salário", completou Carlezzo.
REDUÇÃO DOS DIREITOS DE IMAGEM – Os clubes que reduziram os direitos de imagem podem ter problemas também. O acordo é feito por um contrato civil e não tem ligação com o vínculo de trabalho e pode ser negociado diretamente, sem a participação do sindicato. Qualquer alteração no contrato é preciso que um novo documento seja feito com tais mudanças. Mesmo para o caso de clubes que reduziram e prometeram pagar a diferença nos próximos meses. O Estadão apurou que há clubes que não fizeram tal mudança.
Entretanto, é comum que os times usem os direitos de imagem como forma de pagamento do atleta. "Na prática, clubes e jogadores se confundem com isso. Muitas vezes, a forma com que se contrata esse direito de imagem é fraudulenta e isso faz com que o direito de imagem seja considerado salário. Isso pode causar insegurança jurídica grande", disse Andreotti.
"A norma libera a redução de salário, o que tem natureza trabalhista. O contrato de imagem dos atletas tem natureza civil. Portanto, não é possível a redução da remuneração prevista no contrato de imagem", explicou Carlezzo. Dentre os clubes da Série A do Campeonato Brasileiro, o Red Bull Bragantino é o único que não reduziu salários nem direitos de imagem dos atletas. A maioria reduziu em 25% e alguns se comprometeram a devolver a quantia após a pandemia passar.