Estadão

A disputa entre Mary Stuart e Elizabeth I na peça Maria da Escócia

A histórica rivalidade entre as rainhas Mary Stuart e Elizabeth I se tornou, para estudiosos do processo de linha sucessória do trono britânico, um dos capítulos mais extraordinários da trajetória real ao flagrar a guerra travada entre duas figuras imbuídas do plano de deter o poder da coroa britânica. Stuart tentou destituir a prima do trono, foi presa e permaneceu enclausurada por 19 anos até que finalmente foi julgada e condenada à guilhotina.

A ganância, a fome pelo poder e o gosto pela violência que cercou a história dessas duas rainhas estão, na visão do diretor e produtor Alexandre Brazil, intimamente ligados à realidade brasileira contemporânea, na qual a morte ganhou status de mera casualidade e a ganância e a sede pelo poder tomam conta do setor público.

"Estamos falando de poder, sobretudo de opressão. Para todos os lados, não há uma vencedora nessa disputa. Uma perde a vida e a outra precisa tirar a vida de uma rainha, de sua prima. Ao passo que falamos desses temas universais, que mudaram muito pouco ao longo desses séculos, já estamos dialogando com essa realidade, com alguma parte do Brasil e do mundo", acredita.

<b>ENCONTRO FICTÍCIO</b>

A partir dessa visão, o encenador convidou o romancista, dramaturgo e roteirista paulistano Fernando Bonassi para escrever Maria da Escócia, espetáculo em cartaz no palco do Teatro Cacilda Becker em curta temporada (fica até domingo, 26), que enfoca um encontro fictício entre as duas monarcas momentos antes da sentença de morte de Stuart.

"Essas rainhas são partícipes e vítimas desse poder. É assustador, mas não há necessidade de esforço para aproximar essa história com os dias de hoje ou com o Brasil. Estamos vivendo toda essa disputa pelo poder e a tentativa de nele se manter. Naquela época, havia uma visão muito diferente do que é matar, era uma coisa muito banal. Essa brutalidade está lá e está aqui do nosso lado".

Estrelada por Bete Dorgam e Kátia Naiane, a montagem faz parte de uma trilogia idealizada por Brazil para discutir a história e a figura de Elizabeth I, primeira e principal mecenas do bardo William Shakespeare, paixão do diretor.

"Eu sou devoto de Shakespeare, e a Elizabeth I, como sua grande mecenas, já tinha esse ponto como grande trunfo para sua figura histórica. Mas há ainda toda uma biografia que é fascinante, com várias passagens que a tornam muito teatral, desde a ideia da rainha virgem, passando por sua genialidade política e estratégica, até suas roupas e aquela maquiagem, que ao final fizeram dela uma espécie de santa para os ingleses", contextualiza o autor.

A obra se mantém em diálogo com a contemporaneidade de forma viva e intensa – é o que acredita Kátia Naiane. "São duas mulheres tentando estabelecer seu poder, sua capacidade, sua inteligência para governar, mas lidando com correligionários que armavam intrigas, instigavam a disputa. Isso é muito atual. Essas mulheres tentam existir e resistir."

Dorgam pensa parecido: "Ambas eram muito fortes e inteligentes, muito cultas e boas estadistas com amplo conhecimento político que disputam um poder num momento em que este era exclusivamente masculino. Esse diálogo, essa ficção friccionada, mostra que essas mulheres sempre encontraram dificuldades em relação ao poder. Elizabeth I não se casou para não ter que dividi-lo com um homem, e Mary sempre teve vários maridos, mas se manteve determinada".

Maria da Escócia é a segunda parte de uma trilogia iniciada em 2018 com O Sorriso da Rainha, de Maria Shu, e que deve ser encerrada em breve com uma obra sobre a rainha Ana Bolena, mãe de Elizabeth I. Há nos planos de Alexandre Brazil ainda a produção de A Noite que Nunca Existiu, de Humberto Robles, que enfoca um diálogo fictício entre Elizabeth I e William Shakespeare.

As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>

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