Mundo das Palavras

A namorada do Chico



Uma frase com a natureza de um caleidoscópio foi pronunciada diante das câmeras da emissora de televisão de maior audiência, no Brasil, a TV Globo, durante uma entrevista, no programa de Jô Soares. Quem a disse foi a compositora-cantora Thaís Gulin.


Quando a pronunciou, a artista começava a ganhar maior visibilidade, depois dos 30 anos de idade, no ambiente da música popular, por causa do laço afetivo que estabeleceu com uma das figuras mais queridas da cultura brasileira da atualidade, Chico Buarque.


Estava, portanto, na situação de alguém que, pela condição de namorada de Chico, desfruta do privilégio do conviver intimamente com uma pessoa sensível, criativa, educada e discreta. Desperta, sem dúvida, muito interesse, entre multidões de brasileiros. Mas, em contrapartida, também enfrenta uma pesada maldição: leva muita gente a cair no pecado da maledicência, por causa da diferença de idade com Chico.


Esta situação de Thaís impunha cuidados a Jô.  Nem Thaís, nem Chico com seus admiradores poderiam se sentir ofendidos pelo programa.


Por isto, no meio da entrevista, quando Thaís estava à vontade, Jô, com tato, começou a falar de boatos sobre um namoro e de “um rapaz de olhos verdes”. Até aquele momento, ela se comportara como uma menininha simpática, esperta, atenta, meiga e espontânea, sem mostrar incômodo, quando isto parecia em desacordo com a faixa etária dela.  Nem no momento em que Jô fez menção ao namoro com Chico o modo de agir de Thaís se alterou. Ela apenas recostou-se inteiramente no sofá onde estava sentada, ergueu ligeiramente a cabeça como se buscasse forças no teto do estúdio. E, aos poucos, fitando de novo seu interlocutor, disse, com contundência e clareza, numa voz levemente afetada por emoção: “Jô, assim que entrei neste auditório percebi imediatamente: você é que é o homem da minha vida!”


O efeito foi fulminante. A armadura interior que adquire quem já fez muitas horas de entrevistas de nada serviu a Jô. A perturbação dele foi tão grande que fez rir ruidosamente todo o público presente no auditório da emissora. Jô se remexeu em sua cadeira. Balbuciou “Chico!”, como se estivesse pedindo socorro. E, por fim, ainda atarantado, conseguiu dizer “Eu também senti isto em relação a você”. Resolveu, portanto, fingir que havia caído nele, também, um raio – como é chamada a sensação repentina de apaixonamento por uma pessoa desconhecida, em algumas regiões da Itália.


Pelo prisma do raio, tudo se encaixava: os gestos de quem busca forças, o pequeno tremor na voz, e, a frase de Thaís. Mas tudo também se encaixava se a frase fosse apenas uma gozação. Para aumentar ainda mais a ambigüidade, havia uma terceira interpretação possível. Thaís quis dar com sutileza este recado a Jô: “Não insista no assunto”.


Jô registrou o golpe. Não insistiu. E quando fez uma segunda tentativa, mostrou pouco empenho. Logo desistiu.


Os espectadores, após assistirem àquela entrevista, devem se perguntar, de vez em quando: “Afinal o que aconteceu, de fato, diante dos nossos olhos?”.


Tem este poder uma frase caleidoscópica como a de Thaís: nos fazem pensar incessantemente, sem nunca atinarmos com um sentido único e definitivo para ela.


 


Oswaldo Coimbra é jornalista e pós-doutor em Jornalismo pela ECA/USP

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