A correção na tabela do Imposto de Renda (IR) maior que a prevista pelo governo é ruim para o ajuste fiscal, mas faz parte do processo democrático e do esforço de reequilíbrio nas contas públicas. “Para fazer ajuste fiscal, é preciso negociar. O acordo dessa terça-feira, 10, faz parte do processo democrático”, diz Samuel Pessôa, pesquisador da Fundação Getulio Vargas (FGV) e participante da equipe econômica do então candidato à presidência da República Aécio Neves (PSDB).
Pessôa argumenta que nenhum Executivo consegue fazer sozinho um ajuste fiscal. “Precisa ter a supervisão e o acompanhamento do Congresso Nacional”, diz o pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da FGV.
A expectativa de Pessôa é que o Congresso Nacional aprove as medidas propostas pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy. “O ajuste proposto é bom. As medidas são corretas, mas deveriam ter sido tomadas há muito mais tempo”, afirma.
Como demorou para reverter a política econômica que “deteriorou as contas públicas”, o governo corre o risco, agora, de não ter tempo suficiente para realizar o ajuste fiscal, na avaliação de Pessôa. Ele pondera que o ajuste necessário é tão profundo que não é possível saber “se vai dar tempo de (esse governo) colher a retomada do crescimento econômico” e também de impedir a perda do grau de investimento conferido pelas agências de classificação de risco.
Nesse ponto, Pessôa demonstra menos pessimismo que alguns analistas. Ele afirma que a perda do grau de investimento é “um agenda para 2016”, não é para este ano. Se não for cumprida neste ano, a meta fiscal do ano que vem poderá ficar comprometida.
“Como o estelionato eleitoral da Dilma foi muito grande, maior é o custo para o presidencialismo de coalizão”, diz o pesquisador. Ele observa que o Poder Legislativo tem demonstrado que não pretende pagar o preço político do ajuste. Quer devolver esse custo para o Executivo.
A contradição entre a campanha de Dilma Rousseff e o que vem sendo anunciado desde dezembro é, na avaliação do pesquisador do Ibre, o que tem revoltado os eleitores da oposição, o partido governista e que deve perturbar os eleitores da presidente. “Apesar de as medidas fiscais estarem corretas, a sociedade reage negativamente, porque a mágoa que ficou da campanha eleitoral é muito grande”, diz. O especialista em contas públicas e também ex-colaborador da campanha de Aécio, Mansueto Almeida, diz o mesmo. “A população está com raiva porque há poucos meses a presidente negava a necessidade de ajuste”, diz Almeida.
O economista e funcionário licenciado do Ipea argumenta que povo de nenhum lugar gosta de ajuste fiscal. E diz que o esforço para reequilibrar as contas públicas seria feito independentemente de quem assumisse a presidência. “Mas vejo que as medidas não seriam exatamente as mesmas porque se a oposição tivesse ganhado a eleição o benefício da dúvida seria muito maior”, diz Almeida.
O especialista afirma que, apesar de a equipe de Levy ter anunciado muitas medidas, ainda há muito a fazer. Assim como Pessôa, Almeida afirma que, nesse processo, o governo precisa melhorar a comunicação com a sociedade e com o Congresso Nacional. “Povo de lugar nenhum gosta de ajuste fiscal, especialmente em uma conjuntura de baixo crescimento ou mesmo recessão”, diz.
Apesar de achar semelhanças entre os governos de Fernando Henrique Cardoso e de Dilma Rousseff, Pessôa afirma que há uma diferença no atual esforço de ajuste das contas públicas. O segundo governo de FHC começou com a agenda microeconômica em plena reorganização. “Houve no primeiro governo FHC um desarranjo fiscal, assim como houve no primeiro governo Dilma. Mas o segundo mandato de FHC começou com privatizações, construção de marcos regulatórios, reformas para melhorar a eficiência que não existem agora”, diz Pessôa. “A atual desorganização microeconômica vai cobrar seu preço.”