A interação literária e a forte amizade entre Adolfo Bioy Casares e Jorge Luis Borges foi tão intensa que, nos anos 60, o crítico Emir Rodríguez Monegal o definiu carinhosamente de “Biorges”. Este vínculo, que geraria a camaradagem mais frutífera da literatura argentina, começou por motivos prosaicos em uma reunião na casa de Victoria Ocampo, a dublê de Gertrude Stein da Argentina do anos 30, 40 e 50 e cunhada de Bioy, que estava casado com sua irmã Silvina. Bioy havia ido à mansão de Victoria para esquivar posteriores repreensões da cunhada, que recebia um escritor estrangeiro com um coquetel.
Por acaso, Bioy – que tinha 25 anos – sentou-se ao lado de Jorge Luis Borges, de 40. “No meio da festa começamos a conversar animadamente. Victoria nos interrompeu: Não sejam uns merdas. Falem com o convidado. Borges levantou-se assustado e derrubou um abajur. Foi um opróbrio. Ele continuou falando comigo e ficamos amigos para toda a vida”, contou Bioy em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo em 1996.
O vínculo literário começou na sequência, quando o jovem Bioy, integrante de uma família de empresários do setor de laticínios, foi contratado pelos próprios parentes para escrever um folheto cultural “e comercial” sobre iogurte. “Chamei Borges e ficamos dias na fazenda pensando no folheto. Mais do que trabalhar no tema, acabávamos criando personagens. Assim, escrevemos Seis Problemas para Don Isidro Parodi. Queríamos escrever contos em que houvesse um enigma e uma solução clara. Mas fazíamos brincadeiras e nos perdíamos nelas. “Que faremos com este personagem?”, perguntávamos rindo.
A obra detetivesca que escreveram em conjunto foi feita com o pseudônimo de Honorio Bustos Domeq. Mas mantiveram em segredo a paternidade da obra durante anos, divertindo-se confidencialmente quando os amigos lhes comentavam a peculiar obra desse autor que nunca aparecia em público.
Ao contrário do espartano Borges, que era um potencial calvinista e tímido com as mulheres, Bioy, um milionário que se vestia como lorde britânico, mantinha tórridos affaires com as sobrinhas de sua mulher e amigas. Apesar dessas diferenças mantiveram uma sólida amizade e cumplicidade literária, com declarações mútuas de admiração.
Borges colocou Bioy como um dos protagonistas de seu conto Tlön, Uqbar e Orbis Tertius. Bioy também fez do amigo um personagem, ao descrevê-lo em Borges, um diário anotado praticamente cada noite, ao longo de 40 anos, de 1.650 páginas de conversas, parcerias literárias, jantares quase diários que tinha com seu amigo em seu elegante apartamento da rua Posadas. No livro, Bioy cita frases de Borges sobre a política nacional (“Boa parte da história argentina ocorreu entre gângsteres”) ou religião e filosofia (“Cristo não era um cavalheiro como Sócrates. Cristo tinha algum talento literário, shakespeariano, um político que buscava compaixão, com seu efeito teatral, falsamente grandioso, de perdoa-lhes, não sabem o que fazem”).
Esse diário também inclui, ocasionalmente, o olhar de Silvina Ocampo, mulher de Bioy, que volta e meia age como observadora dos dois amigos. “Durante uma época, você gostou de coisas piegas. Talvez por fidelidade a essa época você mantém a admiração por Ibsen”, disse Silvina a Borges em jantar a três.
Borges morreu em 1986. Bioy, em 1999. Nos últimos anos, o autor de A Invenção de Morel foi se parecendo cada vez mais com o escritor de O Aleph, pois passou a usar uma bengala, fragilizou-se com a morte de seus entes queridos (sua filha e sua mulher), além do desejo de viver muito mais.