A obrigação de rastrear o compartilhamento de mensagens em massa em aplicativos de conversa deve ser retirada do Projeto de Lei das Fake News, defendem especialistas e empresas que prestam o serviço. Instituído pelo Senado, o rastreamento é visto como uma brecha para possível quebra da privacidade e uma "supervigilância" estatal. Contra essa medida, entidades de proteção de dados e executivos de aplicativos intensificaram uma campanha de bastidores para derrubar a exigência.
Atualmente em discussão na Câmara, o projeto cria a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet. A proposta estabelece normas de funcionamento de redes sociais – Twitter, Facebook e Instagram – e serviços de mensagem – WhatsApp e Telegram. Alguns dispositivos do PL são questionados pelas empresas, que procuraram parlamentares para pedir mudanças.
Associação que milita pela proteção de dados pessoais, a Data Privacy Brasil recomendou que o artigo 10, que obriga o rastreamento, seja suprimido do projeto de lei. Em nota técnica, a entidade faz outras considerações ao texto em debate no Congresso, principalmente aos trechos que ampliam a retenção dos chamados "metadados" – que não são o conteúdo em si da mensagem, mas permitem identificar usuários da conversa, localização, rede usada, duração da chamada e horário.
"O art. 10 deve ser suprimido, pois, ao alargar o regime de retenção de metadados, relativiza o princípio da presunção da inocência e representa uma interferência desproporcional ao direito fundamental à proteção de dados pessoais", diz a entidade. "Todos os indivíduos teriam informações sobre suas comunicações monitoradas e armazenadas antes mesmo de serem acusados de algum ilícito que justificasse tal ato."
<b>Registros</b>
Conforme o texto aprovado no Senado, o artigo 10 do PL obriga aplicativos a guardar "registros" de envios de mensagens em massa por até três meses. Isso inclui mensagens enviadas por mais de cinco contas para grupos de conversa e listas de transmissão e que, num intervalo de 15 dias, tenham atingido pelo menos mil pessoas. O armazenamento de dados – e não do conteúdo em si – deverá permitir identificar quem encaminhou, quando e quantas pessoas receberam, para fins de investigação criminal.
Se virar lei, essa exigência afetará a liberdade de expressão e poderá provocar um efeito de "resfriamento" – quando as pessoas deixam de se expressar pelo receio de que suas opiniões sejam armazenadas e usadas contra elas no futuro, em ambiente autoritário, segundo a Data Privacy.
Os senadores que trabalharam no texto, entre eles Angelo Coronel (PSD-BA), presidente da CPI Mista das Fake News, argumentam que não há quebra da criptografia das conversas, o que resguarda a privacidade sobre o conteúdo. Mas as plataformas questionam o dispositivo.
Executivos do WhatsApp têm dito que, tecnicamente, não há como saber se uma mensagem será compartilhada muitas vezes. Por isso, argumenta que a única maneira de garantir a rastreabilidade exigida no PL seria "carimbar" cada mensagem individualmente, por meio de um selo de "origem/destino", que permitisse, no futuro, identificar seu tráfego – algo que romperia a criptografia de ponta a ponta, que garante a privacidade total.
Além disso, afirmam, o rastreamento não garante a eficácia no combate às fake news porque milícias digitais orientam seus integrantes a, em vez de encaminhar uma mensagem recebida, copiar o conteúdo e publicar novamente – isso rompe a cadeia de transmissão e burla a lógica de rastreamento.
A contraproposta do WhatsApp é que o PL possa incorporar dispositivos semelhantes aos da lei de interceptação telefônica, para que, a partir de uma decisão judicial, os metadados de usuários passem a ser coletados e registrados durante um período determinado, a fim de subsidiar investigações. Para a empresa, o comportamento do usuário deve ser o foco das apurações e pode indicar prática de crimes, não a mensagem em si.
Presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) defendeu a necessidade de aprimorar o PL. A expectativa é de que os deputados promovam alterações no texto já aprovado no Senado. As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>