Ativistas e observadores dos direitos humanos no Irã denunciaram que o anúncio de que o governo estaria extinguindo a polícia da moralidade seria apenas uma estratégia de desinformação e que não diminui a repressão do regime teocrático contra os manifestantes e as mulheres do país. Relatos de Teerã apontam que a patrulha moral continua nas ruas da cidade, e meios de comunicação estatais questionam se o anúncio feito pelo procurador-geral do país tem validade perante o governo islâmico.
Na noite do sábado, 3, o procurador-geral iraniano Mohammad Javad Montazeri afirmou durante uma coletiva de imprensa que a polícia moral havia sido extinta. "A polícia da moralidade não tem nada a ver com o Judiciário e foi abolida por quem a criou", disse Montazeri, acrescentando que "o Judiciário continuará zelando pelas ações comportamentais da sociedade."
A fala do procurador repercutiu ao redor do mundo, mas foi contestada ainda no domingo, 4, por mulheres e ativistas iranianas que foram às redes sociais para denunciar o suposto desmantelamento da força policial como uma tática de propaganda do governo para desviar a atenção das demandas mais abrangentes dos protestos, que pedem o fim do regime teocrático.
"É desinformação que a República Islâmica do Irã aboliu sua polícia moral. É uma tática para parar os protestos. Os manifestantes não estão enfrentando armas e balas para abolir a polícia da moralidade ou o uso forçado do hijab. Eles querem acabar com o regime islâmico", escreveu a jornalista e ativista iraniana Masih Alinejad em uma publicação no Twitter.
Um membro do Parlamento iraniano, Jalal Rashidi Koochi, disse que abolir a polícia moral seria "uma ação louvável, mas tardia". "Gostaria de ter visto essa ação antes de todos esses eventos acontecerem, porque podemos ver como algumas políticas e comportamentos prejudicam a estabilidade da nação e a confiança do público no governo."
Não ficou claro se a declaração de Montazeri corresponde a uma decisão final do governo teocrático, que não anunciou oficialmente a abolição da polícia moral, mas também não se esforçou para rebater a declaração do procurador-geral. Um canal de televisão estatal, o <i>Al Alam</i>, disse que os comentários foram tirados do contexto, e outros canais estatais disseram que o governo não estava recuando da lei que obriga o uso do hijab.
"A República Islâmica muitas vezes testa ideias lançando-as para discussão", disse Sanam Vakil, vice-diretora do programa para Oriente Médio e Norte da África da Chatham House, um think tank de Londres. "A declaração de Montazeri não deve ser lida como final", acrescentou.
A polícia da moralidade iraniana foi criada para fiscalizar e garantir o cumprimento das leis relacionadas ao código de vestimenta islâmico, imposto após a Revolução de 1979 e recentemente revigorado pelo novo presidente ultraconservador do país, Ebrahim Raisi.
Ativistas também argumentam que apenas o fim da unidade policial não resolve o problema para os iranianos. "Por que o fim da polícia da moralidade não é uma grande notícia: 1) o hijab continua compulsório e exigido de outras maneiras, como por expulsão da universidade ou escola. 2) os protestos começaram com a morte de Mahsa Amini pela polícia moral, mas os iranianos não vão descansar até que o regime acabe", afirmou a advogada Shadi Sadr no domingo.
Sem mencionar qualquer decisão sobre a polícia da moralidade, o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas do Irã, Mohammad Bagheri, afirmou nesta segunda-feira, 5, que o país enfrenta uma guerra informativa e de narrativa com seus inimigos externos. "A inteligente nação iraniana resistiu à trama inimiga, apesar de todos os problemas econômicos e gargalos", disse Bagheri ao discursar em uma reunião administrativa provincial, segundo o relato da agência estatal <i>Irna</i>.
A repressão aos protestos iniciados após a morte da jovem Mahsa Amini já matou centenas de pessoas pelo país. Um relatório do Conselho de Segurança do Irã publicado no sábado indica que 200 pessoas morreram em meio aos distúrbios sociais. O número é metade das fatalidades registradas por grupos de direitos humanos. De acordo com a ONU, 14 mil pessoas foram presas por ligações com os protestos. (Com agências internacionais).