Com o sistema contra enchentes de Porto Alegre em parte colapsado, equipes passaram a instalar bombas emprestadas. A força-tarefa é voltada a recuperar o escoamento em bairros parcialmente submersos pela água, especialmente na zona norte – o que inclui os entornos do Aeroporto Salgado Filho e da Arena do Grêmio. Os trabalhos envolvem agentes locais e de companhias de saneamento, guardas-civis e reforços de outros Estados.
O Lago Guaíba tem reduzido lentamente de nível em meio a oscilações e a um repique no início da semana passada, com prognóstico atual de que siga acima da cota de inundação – na qual está desde o dia 2 – até o início de junho, a depender das chuvas e do vento (há previsão de mais chuva).
Na zona norte, alguns bairros também são afetados pela cheia do Rio Gravataí, enquanto as ilhas e a parte dos bairros ribeirinhos da região sul não têm diques de proteção.
Com problemas nas casas de bombas e comportas, a maior parte do sistema que drenaria a água para fora da área urbana não está funcionando, assim como os diques de proteção dificultam o escoamento. No pico da crise, 4 das 23 casas de bombas estavam operando. Hoje, são 9.
Essa gradual retomada exigiu a troca de equipamentos elétricos e motores, além de intervenções improvisadas para permitir a drenagem das estações de bombeamento inundadas – com o isolamento do entorno com pedregulhos e sacos de areia e cimento. A enchente é a maior da história da cidade, com pico de 5,35 metros.
<b>Causas</b>
Especialistas apontam diversos problemas no sistema, parte deles conhecida há anos na cidade, alguns ainda mais evidentes após as duas cheias do ano passado – quando o Guaíba chegou a 3,46 m, com a retirada de 2 mil pessoas de casa. A gestão do prefeito Sebastião Melo (MDB) admite falhas e "fragilidades", mas nega falta de manutenção.
Em nota ao <b>Estadão</b>, a gestão defendeu que o sistema precisa ser reavaliado, corrigido e repensado em âmbitos municipal, regional e estadual. Também afirmou ter feito "melhorias significativas", as quais teriam impedido uma cheia maior. Além disso, disse que foram investidos R$ 592 milhões em obras.
No próprio Plano de Metas, a prefeitura reconhece que o sistema opera abaixo da capacidade, com a meta de apenas mantê-lo no padrão do início da gestão, de 85%. "A ampliação dessa meta representaria esforços antieconômicos de baixa repercussão na eficiência", justificou a gestão.
O motivo seriam as más condições e a defasagem do sistema. "Grande parte desses equipamentos é antiga e frequentemente exige manutenções", diz o documento oficial.
Dos anos 1970, o sistema porto-alegrense era visto como uma defesa para cheias de até 6 m. A rede de diques, casas de bombas, condutos de pressão e muro teve, contudo, diversos extravasamentos e problemas. Sem proteção adequada e localizadas a níveis abaixo de 6 m, as estações de água, energia e bombeamento foram afetadas e até inundadas.
No dia 3, por exemplo, o Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae), de Porto Alegre, confirmou o rompimento de uma comporta, cuja água estava seguindo em direção à região central. "Com a força da água, o portão de ferro, que estava chumbado e isolado com sacos de areia, não aguentou e acabou abrindo", apontou em comunicado.
Na mesma data, a casa de bombas da Avenida Mauá, no centro, começou a transbordar.
Por outro lado, como quase todas as casas de bombas pararam, o nível da água chegou a ficar mais alto nos bairros do que no lago em si. No centro, o Dmae chegou a reconhecer 40 cm de diferença entre a parte de fora e a de dentro do muro. Essa situação motivou a abertura de parte das comportas, porém com dificuldades.
No centro histórico, por estar emperrada, uma das comportas foi retirada com o uso de maquinário e o auxílio de um rebocador da Capitania dos Portos. No sábado, outra comporta foi aberta pela própria força da água, em direção ao Guaíba, visto que o nível estava mais alto dentro da cidade.
<b>As bombas</b>
No domingo, foi instalada a primeira das nove bombas flutuantes de alta capacidade emprestadas pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) para Porto Alegre, das quais duas estão em operação, ambas no bairro Sarandi.
Outra instalação começou, no fim de semana, em Canoas. Novo Hamburgo também receberá um equipamento. Ao todo, a companhia anunciou o envio de 18 bombas para a região metropolitana gaúcha.
Com cerca de 10 toneladas, essas bombas da Sabesp são as mesmas utilizadas para a extração de água do Sistema Cantareira, quando estava no volume morto, durante a crise hídrica em São Paulo, há uma década. Segundo a Sabesp, os equipamentos teriam capacidade de drenar mil litros por segundo.
Ministro-chefe da Secretaria Extraordinária de Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul, Paulo Pimenta também declarou que o governo federal contatou Alagoas e Ceará para o empréstimo de nove bombas de alta capacidade.
Parte desses equipamentos teria sido utilizada na transposição do Rio São Francisco. "Parte delas está vindo por meio rodoviário e parte delas está vindo por avião (da Força Aérea)", afirmou.
Além disso, a Federação das Associações de Arrozeiros do Rio Grande do Sul (Federarroz) está convocando produtores rurais para emprestar 30 bombas agrícolas para serem utilizadas na drenagem do entorno do aeroporto de Porto Alegre.
O Dmae confirmou estar em contato com a organização, que já cedeu equipamentos de drenagem para Pelotas, na região sul.
<b>Enchentes em 2019 e 2023 permitiam antever os problemas</b>
O sistema antienchentes abrange cerca de 68 quilômetros de diques (alguns externos, em vias elevadas), comportas, muro e casas de bombas. Criado pelo extinto Departamento Nacional de Obras de Saneamento, passou para responsabilidade do Departamento de Esgotos Pluviais (DEP) da cidade nos anos 1990, o qual foi extinto (sob críticas) em 2019. Hoje, é de responsabilidade do Dmae.
Antes da atual, Porto Alegre havia passado por três grandes enchentes: em 2015 e 2023 (duas).
Todas demonstraram problemas, especialmente para o fechamento das comportas e nas casas de bombas (transbordamento pelos bueiros). Problemas também são apontados no diagnóstico do Plano Municipal de Saneamento Básico, de 2015.
No documento, fala-se de "insuficiência hidráulica" e bombas "sem condições operacionais", em estado "bastante precário". À época, o plano dizia que apenas três das então 21 casas de bombas operavam em 100%.
Em 2021, nove organizações publicaram uma carta aberta em resposta à possibilidade de supressão da construção, em meio à proposta de concessão do antigo cais. Novo alerta foi feito no ano passado.
"A falta de resiliência de Porto Alegre frente aos extremos de clima e mudanças climáticas foi detectada em 2023", afirmou o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden).
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>