A ficha cai. O mundo dá voltas. As pessoas mudam. Apesar das notícias falsas, das teorias conspiratórias ou daquela certeza infundada de que "isso nunca vai acontecer comigo", ninguém está condenado a viver eternamente na sombra do negacionismo. O problema é que, em meio ao turbilhão do nosso pior momento da covid-19, essa tomada de consciência costuma ser alimentada pela dor.
No início da pandemia, Denise da Silva Arco, de 32 anos, nem sequer aceitava a ideia de fazer home office. "Não queria ficar em casa, não queria redução de jornada, reclamei muito. Encarei como se fosse apenas mais um vírus desses que passam e a gente nem se dá conta", confessou. Apesar das circunstâncias que a obrigaram a respeitar o isolamento, Denise esperou o primeiro alívio nos números de mortes em São Paulo para voltar à vida quase normal no ano passado. "Saí de casa, fui para bares, festas", enumerou.
No fim de 2020, Denise recebeu a notícia da morte de sua avó, que morava no interior. O velório foi na cidade de Jales e reuniu toda a família. Naquele momento, primos, tios e sobrinhos decidiram realizar aquele que teria sido um último desejo da matriarca: uma noite de réveillon em que todos estivessem juntos. "Não pensamos nas consequências. Estávamos seguros de que o pior já havia passado", falou.
E foi o que aconteceu. Dezessete pessoas dividiram o mesmo teto na noite do dia 31 de dezembro. Entre elas, um primo que estava infectado e não sabia. O resultado é que muitos dos presentes começaram a sentir os sintomas da covid poucos dias depois da festa. De todos, três evoluíram para situações mais graves. O tio de Denise foi entubado, pegou uma infecção nos rins e, com apenas 51 anos, morreu.
"Foi angustiante. É angustiante. Agora, vem um sentimento de culpa. Queria tirar essa dor dos meus familiares com minhas mãos. O que posso fazer agora é tomar todos os cuidados, usar máscara, não compartilhar objetos, tudo o que eu puder fazer para proteger a minha família eu vou fazer", desabafou.
O empresário Cláudio Alex Aires Hermes, de 45 anos, tinha acabado de assistir ao filme O Jardineiro Fiel quando a pandemia começou. Assim como no filme, Hermes relacionou a pandemia com a principal vilã do filme, a indústria farmacêutica.
"O filme fala sobre uma manipulação do mercado, na criação de um vírus. Achei que era coisa de governo, de política mesmo. Achei que era conspiração, balela, gripezinha… Cheguei até a brigar com minha mulher e filha por causa disso. Falei muita bobagem", disse.
Despreocupado, Hermes participou de uma reunião de empresários em Balneário Camboriú, um tipo de encontro para troca de cartões e networking. "Ninguém estava usando máscara. Ninguém estava ligando para a situação. Sai de lá com um sentimento ruim", lembrou. Depois de 3 ou 4 dias, ele começou a sentir os sintomas daquilo que se confirmaria como covid-19.
"Quando a coisa pegou, eu já não levantava mais da cama. Sentia o corpo pesado, debilitado. Perdi o paladar, não tinha fome. O olfato zerou. Comecei a sentir formigamentos nos braços e pernas. Tive medo de angina. Fiquei trancado no meu quarto por 15 dias", contou Hermes.
No quarto, ele ficou deprimido, apavorado, perdeu 6 quilos e achou que ia morrer. Felizmente, sobreviveu. "Eu passei por tudo isso. Eu entendi o que é essa doença. Minha mulher e filha pegaram, mas já estão bem. Mudei completamente a minha visão. Hoje, me cuido. Hoje, cuido dos outros também", disse Hermes.
O influenciador gastronômico André Varella, de 30 anos, foi pelo mesmo caminho. No início, acreditou na teoria de que se tratava de um plano chinês para dominar o mundo. "Era mais fácil acreditar nesta baboseira do que encarar a realidade", falou. "Tive esse momento de desacreditar, de desconfiar de tudo. Achava que era muito fogo para pouco incêndio", completou.
No meio do ano passado, Varella pegou a doença. Não foi muito grave, mas o suficiente para acender um sinal de alerta. "Comecei a me cuidar. No fim do ano passado, achei que já tínhamos escapado. Mas, quando vi hospitais com mais de 100% de ocupação, hospitais particulares, eu voltei a me preocupar. Se está ruim para mim que tenho um bom plano de saúde, imagina para a maioria da população", comentou. "Agora eu entendi que a doença não é sobre mim, mas sobre os outros, sobre o cuidado que devemos ter uns com os outros", finalizou.
Segundo a empresária Maíra Bassinello Stocco, de 42 anos, o município de Santa Cruz das Palmeiras, cidade com pouco mais de 30 mil habitantes, não levava a covid muito a sério no início da pandemia. "Muitos achavam que era hipocrisia, que tudo era exagero. Tudo se manteve aberto, quase ninguém usava máscaras. Minha família mesmo levou uma vida normal por muito tempo. Até que um dia… a pandemia chegou como uma avalanche", disse.
Na cidade, começaram a morrer pessoas próximas, até três pessoas por dia. Maíra perdeu parentes, amigos próximos, amigos jovens que precisaram ser intubados. "A gente mudou de vida. Meu filho não vai mais na aula. Morreram muitas pessoas nos últimos dois meses. A incerteza tomou conta das nossas vidas", disse. "Nós temos de aprender com que está acontecendo, aprender a se colocar no lugar do próximo", completou.
O aposentado Carlos Alberto Leitão, 63 anos, era uma das pessoas que não se importavam muito. Não que ele não acreditasse na doença, mas porque era uma pessoa ativa, que fazia caminhadas, hidro, ioga… "Até que senti uma coisinha e achei que era alergia. Era tosse, rinite… A coisa só mudou quando minha filha me levou para uma UBS. Lá descobri que 50% do meu pulmão já estava comprometido", disse. "Eu não brincava com a doença, mas achei que não aconteceria comigo. Teve hospital, UTI, mas sobrevivi. Minha filha me ajudou muito. Com a covid não se brinca", completou.
Em Goiânia, o empresário Geraldo Rodrigues Patrício, de 31 anos, deixou-se levar pela onda das fake news. A descrença na gravidade da doença aumentou depois que ele mesmo pegou a covid, mas nada sentiu. "Eu não ligava para máscara, para álcool em gel …. ". Até que o tio do cunhado dele, que havia acabado de vencer um câncer no fígado, pegou covid e morreu. Depois, outros quatro amigos próximos também tiveram o mesmo fim ou estiveram muito próximos da morte. "Gente jovem, amigas médicas, com 23 e 28 anos… uma coisa muito triste. A doença não é brincadeira, mudei totalmente minha vida, passei um pente-fino no meu comportamento. Hoje, sou pela máscara, álcool em gel e distanciamento social. Enquanto não tiver vacina, temos de nos ajudar. E mudar de comportamento enquanto temos tempo", disse.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>